segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

Da África ao Brasil (Yemanjá)

Vou falar um pouco sobre Yemanjá e os costumes ritualísticos que se expandiram no Brasil, não somente entre umbandistas, mas entre muitos brasileiros que carregam grande devoção e admiração por este Orixá.

Como sabemos, Yemanjá é considerada a ``Mãe das Águas do mar’’ no Brasil, mas na África, Yemanjá é a ``Mãe dos rios’’, daí a origem de sua saudação: Odò Yá! (Saudação no dialeto ioruba que significa: Mãe do rio)

Pra quem não se aprofunda na história dos povos africanos, não conhecem as origens e de onde surgem os costumes dos diversos povos do continente africano, vão apenas se basear na praticidade religiosa que não adentra nessas teorias, e muitos ao menos vão ter a noção de que a saudação em sua tradução se refere aos rios e não aos mares, outros vão saber disso, mas vão se apegar simplesmente nas informações de praxe passadas de boca em boca ou nos sites mais práticos de pesquisas que se referem a um Orixá chamado Olokun, onde o mesmo é o ``Pai do Mar’’ e que Yemanjá apenas por tradicionalismo se transformou na ``Mãe dos mares’’ no Brasil. Na realidade, essas informações são práticas e deixam diversas contrariedades que não fazem tanto sentido, deixam as dúvidas no ar.
Na África, entre os povos iorubas, existiam diversos costumes e crenças que necessariamente não se prendiam somente nos rituais religiosos, mas sim se espalhavam se modificavam e adentravam diversas formas de se cultuar certos Orixás entre os povos. O que vou citar advém de minha pesquisa, de minhas fontes ligadas aos próprios africanos, no que eles dizem sobre crenças e costumes. E o que vou citar, foi o que mais coube em meu discernimento para um procedimento mais próximo da lógica para com os costumes à Yemanjá no Brasil.
Os povos iorubas cultuavam (cultuam ainda) um Orixá chamado Olokun, este era muito respeitado e até mesmo um tanto temido pelos povos. Isso fez por onde percorrer algumas formas diferentes de cultuar esta Divindade, onde alguns povos não gostavam de lidar diretamente com tal Orixá, é neste ponto que entra Yemanjá.
Olokun é considerado uma força que predomina no fundo do mar, em algumas lendas africanas, o mesmo anda acompanhado de nove Divindades de aspecto feminino, a mais velha e primeira delas seria Yemanjá. Muitos africanos não gostavam de evocar Olokun, porque diziam que ele era a fúria do mar e que somente se fazia presente em manifestações furiosas, como se fosse um pai que surgisse somente para dar o castigo, explicam muitos africanos que os Tsunamis são à força de Olokun, à manifestação do mesmo. Isso fazia com que os filhos de Olokun não fossem tratados diretamente por ele, pois, ao menos se dirigiam a ele diretamente, pra isso usavam Yemanjá, que seria a Divindade mais próxima dele, na lenda uma de suas esposas, a primeira esposa. Yemanjá em seu aspecto feminino foi designada aos rios, mas era ela que deixava e mantinha o mar sereno, controlando as forças do mar. Sendo assim, tudo que era ligado a Olokun, ritualisticamente e até em pedidos, se dirigia a Yemanjá, entregavam seus pedidos para a mesma levá-los pra Olokun, nisso até os filhos de Olokun eram entregues a Yemanjá, justamente porque alguns povos iorubas, diziam que jamais uma Divindade que se manifestava em fúria poderia predominar diretamente a cabeça (Orí) de um filho, prejudicaria este filho, por isso preparavam os filhos de Olokun para Yemanjá, para que ela como esposa de Olokun, tomasse conta de todos os seus filhos. O costume dos barcos a Yemanjá também surgiu neste período, quando queriam pedir algo a Olokun, os iorubas levavam em barcos seus pedidos e dentro desses barcos oferendas, flores e demais entregas para Yemanjá e também preceitos depositados para Olokun. Colocavam os barcos no mar, ofereciam a Yemanjá para que a mesma levasse os pedidos e as oferendas para Olokun, desta forma também não despertando sua fúria, mantendo a manifestação do mar normalizada, se os barcos afundassem, diziam que Yemanjá aceitou as oferendas e levou os pedidos e outras oferendas para Olokun. A prática deste ritual era constante e não ficou restrita apenas aos costumes religiosos, mas sim, se expandiu pra todos, que o praticava mesmo fora dos períodos de rituais religiosos. Isso fez com que a ocupação de Yemanjá ficasse mais em torno dos mares do que dos rios, até mesmo sua saudação se espalhou como a ``Mãe das espumas’’, no dialeto ioruba: Èérú Yá!
Olokun sendo considerado o ``Pai do Mar’’ que habitava no fundo dos mares, Yemanjá pela lógica do ritual, passou a ser considerada ``Mãe das águas do mar’’, justamente por que era esta Divindade a única a fazer esta função, de também atuar no mar, levando as oferendas para Olokun, deixando sua fúria adormecida e cuidando de todos os seus filhos.
Yemanjá já na África por muitos iorubas era considerada ``Senhora dos mares’’ ou a ``Rainha do mar’’, por conta de ser a ``primeira dama’’ de Olokun, a Divindade que atua diretamente ao seu lado e é muito respeitada por ele. Muitos negros ao chegarem ao Brasil, trouxeram este costume e o mesmo acabou camuflando Olokun como Divindade e como o ``Pai do Mar’’, porém, a praticidade e o dinamismo dos cultos de tradições afro-brasileiras funcionam deste modo, aplicando seus fundamentos no dia-a-dia, quem tiver um pouco mais de vontade busca, quem não tiver esta aptidão, então entenda o que faz na prática e aprenda com os mais velhos, o que não se pode fazer, é ficar no meio termo, daí nenhum dos dois lados funcionarão. A praticidade e os mistérios que envolvem os rituais de costumes afro-brasileiros, não deixam muito tempo para pensar e sim agir, e muitas vezes seguem aquele velho dilema:
‘’O que a mão direita faz, a esquerda não precisa ficar sabendo. ’’

Carlos Pavão

Nenhum comentário:

Postar um comentário