terça-feira, 6 de março de 2012

Mentes em Perigo - Qualquer inimigo pode estar mais próximo do que parece!


Noel Rosa: Uma mente perigosa.

Qualquer "inimigo" pode estar mais próximo do que parece. Pensemos. Nesta semana, entreguei o trabalho de conclusão do curso Técnico em Museu e, após uma cerveja com os colegas, segui para o ponto de ônibus. Ao embarcar, avistei um lugar disponível, ao lado de uma moça, que lia um livro. Minha curiosidade é habitual em querer saber o que as pessoas lêem. Aproximei-me, pedi licença e, discretamente, dei uma sapeada na capa do livro antes de me sentar e aguardar a saída do coletivo. Percebi que, com olhar de reprovação, a moça fitou-me dos pés a cabeça e manteve-se entretida atrás das páginas que lhe escondiam o rosto. O livro, cuja capa apresentava o dado de "autora com mais de duzentos mil exemplares vendidos", tratava do seguinte tema "como reconhecer e se proteger de pessoas perigosas". Logo, me veio a mente uma questão recorrente na nossa sociedade que é a exacerbação de uma "cultura do medo" que, tem como fundo, questionáveis valores de preservação moral e, mais profundamente, um senso moderno de "desqualificação" do outro. Busca-se com a publicação deste tipo de "literatura", antes de qualquer outra coisa, cobrir uma lacuna criada na formação reflexiva das pessoas, que cada vez mais estão entregando-se a comportamentos e conceitos enlatatos (prontos), alimentando assim o mercado editorial que tem centenas de títulos com este padrão. Este tipo de leitura estimula o individualismo ao "dar" ao leitor, com "receitas de bolo", pseudo-instrumentos para identificar comportamentos que possam tirar a "estabilidade física e emocional" de pessoas "de bem", de "boas intenções", de "boa formação", de "bons princípios" e de "moral". É neste momento que penso em Nietzsche e sua idéia de que a prática da "bondade" das pessoas dotadas de "moral" nada mais é do que a busca do reconhecimento de sua virtude, ou na música fantástica de Noel Rosa, interpretada magistralmente por Paulinho da Viola:

"O mundo me condena, e ninguém tem pena / falando sempre mal do meu nome / Deixando de saber se eu vou morrer de sede / Ou se vou morrer de fome / Mas a filosofia hoje me auxilia A viver indiferente assim / Nesta prontidão sem fim / Vou fingindo que sou rico / Pra ninguém zombar de mim / Não me incomodo que você me diga / Que a sociedade é minha inimiga / Pois cantando neste mundo / Vivo escravo do meu samba, muito embora vagabundo / Quanto a você da aristocracia / Que tem dinheiro, mas não compra alegria / Há de viver eternamente sendo escrava dessa gente / Que cultiva hipocrisia".

Sobre a filosofia, esta sim dá instrumentos reflexivos pertinentes para aqueles que, longe de proteger-se dos perigos existentes nos demais seres humanos, consigam refletir e encontrar os perigos que estão em si mesmos, construídos em concepções que resguardam suas "zonas de conforto", pautados em padrões "étnico-ego-antropocêntricos", de moral religiosa, preservação patrimonial, dentre outras tantas coisas. Por trás da "bula" de proteção aos nossos "valores" tão caros de se manter, está a falta de ética profissional de especialistas de ciências humanas, absolutamente vendidos ao mercado (quando não envolvidos no discurso quase religioso do academicismo), além da velha ideologia da perpetuação de soluções reacionárias, que atribuem o antagonismo entre as pessoas, como aquele discurso famoso do "eixo do mal" do lado de "lá", enquanto "Deus está conosco", do lado de "cá". Prefiro, assim, colocar "nós" na minha cabeça, com idéias de amigos como Avari, Itcaina, Tardochi, Landolpho, Silva, Lima, Gomes ou pensadores como Sartre, Nietzsche, Camus, Sagan, Hesse, os "Andrades", Gullar, Holanda, Veloso, Baptista, Lennon, Dylan e mais mil destes, a ter que "desumanizar" qualquer estranho para me sentir bem e dono do "poder" de me proteger. Pensar as coisas da vida para me indignar ao ler o que alguém conhecido escreveu na rede sobre a Parada Gay, ocorrida na semana passada, usando o título "Sodoma e Gamorra". O problema, creio eu, não está nas "mentes perigosas", mas sim, nas "mentes em perigo".

Por Adriano Tardoque

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