quinta-feira, 16 de maio de 2013

eu reformado





eu reformado me confesso
por ainda estar vivo
quando deveria ter morrido
no exacto instante em que deixei de trabalhar

eu reformado me confesso
por receber mensalmente uma pensão
(já ratada à má fila)
para a qual descontei todos os meses dos muitos anos que trabalhei
entregando parte do meu ganho
aos que em mim confiaram e eu neles confiei

eu reformado me confesso
por ter sempre vivido do salário ganho em cada dia
gastando o que tinha e não mais do que podia
se economias tenho e delas me sirvo
pelas poupanças peço perdão
pois se não fossem elas difícil seria continuar vivo

eu reformado me confesso
por todos os dias sentir que já não estou tão saudável
e que a doença não me faz mal a mim
mas à sustentabilidade do sistema de saúde
que alguns só concebem para pessoas sãs que não causam despesa
o que me põe ainda mais doente

eu reformado me confesso
por ter tido filhos
os ter criado, educado, formado, preparado
para produzirem riqueza neste que é o seu país
e continuar hoje a ajudá-los na criação dos meus netos
que empregos não há para o esforço que fiz

eu reformado me confesso
p r o f u n d a m e n t e   r e v o l t a d o
por me roubarem sem nunca ter roubado
desse crime me confesso e peço perdão
nunca roubei, isso não

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