sábado, 13 de julho de 2013

CAPÍTULO 3 - O SORRISO DA CACHORRA

O sorriso da cachorra
Capítulo 3

*Daniel Barros

A paquera – início da paixão
Durante as férias de meio de ano, ele passeava na praia com sua cadela pastor e jogava bola na casa do seu amigo Antônio. No período da festa de São João, viajou para São Miguel dos Campos, no interior do Estado, hospedando-se na casa de um amigo. Além disso, treinava corrida e saltos com seu irmão mais velho, que passara no concurso da Polícia Federal e preparava-se para o teste físico.
Enseada de Pajuçara. Foto: Daniel Barros
Na volta às aulas, outra surpresa, ao encontrá-la, a menina de olhos verdes lhe falou que, todas as vezes que foi a praia com seu filho, passou pela frente da casa dele, na esperança de encontrá-lo. Pois sabia que ele sempre caminhava com sua cadela. Ele ficou admirado e entendeu que talvez ela estivesse interessada por ele, mesmo achando o quanto aquilo poderia ser improvável, já que ela era casada e, além do mais, era a mais linda mulher da escola.
No decorrer do ano, como era um bom aluno, passou juntamente com seus amigos a ensinar os outros colegas. E, em decorrência disso, ela passou a telefonar para ele, com o pretexto de tirar dúvidas. Ligações que logo se transformavam em longas conversas sobre os dois. Ele que tinha uma forte formação mor
al herdada de sua família e principalmente de seu pai já falecido, homem de caráter incomparável, de extrema hombridade, coragem e valentia, passou a indignar-se com as histórias que ela lhe contava sobre o comportamento de seu companheiro. Este que, por diversas vezes, já havia sido preso, inclusive pela Polícia Federal, e era claramente o oposto de André, um homem que vinha de uma família de policiais. Seu pai, seu avô e seu tio tinham sido policiais, e seu irmão estava na academia da policial federal. Então, em razão de tudo isso, ela passou a ver nele o homem que até então não conhecia.
Certo dia recebeu um telefonema de Marta, amiga comum dos dois. Marta era morena, de olhos verdes, com muito bom gosto para música e de uma boa formação cultural, e que havia aberto mão de seu interesse por ele, ao descobrir que sua amiga também gostava dele, tornou-se o cupido dessa relação. Neste telefonema, Marta o convidou para estudarem juntos. Ele prontamente aceitou, e marcou o local, o apartamento de um primo dela, que ficava vazio durante todo o dia. Logo mais, estavam os três estudando química, e, num certo momento, Marta os deixou na sala. Patrícia levantou-se e colocou-se em pé ao lado de André, para com seus lindos olhos verdes a observar o cálculo que ele fazia. Nesse momento, ele lutava loucamente para concentrar-se no cálculo, pois ela abaixou-se sobre seu ombro esquerdo, aproximando seu rosto do dele, a uma distância tão pequena que podia sentir o calor do rosto quase colado ao seu. Sentia ainda seu adorável perfume, perfume de bebê. Nesse momento, ele fechou os olhos e sentiu toda felicidade do mundo: este momento de pleno êxtase fora interrompido pela volta de Marta, a sala ficou em total silêncio. A noite já havia caído e o tempo de estudo terminara.
Na semana seguinte, começara a “feira de ciência”, gincana científica da escola. Ele, juntamente com seus colegas, escolheu uma sala para expor seus trabalhos, estrategicamente afastada das demais, com o intuito de poderem realizar suas brincadeiras longe das pessoas que visitavam a feira. Uma dessas brincadeiras foi uma quadrilha junina, oportunidade em que eles poderiam paquerar e dançar com as meninas da escola. Nesse dia, ela o procurou o tempo inteiro, mas não o achou e pensou que ele não havia ido à feira. No outro dia, ela soube da festa e ficou inquieta, pois não sabia o que tinha acontecido e resolveu procurá-lo, mas novamente não o encontrara. Em uma das vezes que o procurou na sala de exposição, não o viu, pois ele estava dormindo embaixo da maquete, e Patrícia não percebeu, o que a deixou ainda mais incomodada.
A feira, como sempre, encerrava-se com a noite dos melhores, em que eram homenageados os melhores alunos e entregues prêmios às equipes da feira. Ele, como em anos anteriores, receberia diplomas de melhor aluno em disciplinas isoladas. À noite, todos estavam juntos, Antônio, Doutor, Marta... e ela, é claro, linda e cheirosa como sempre. Vestia um vestido, acima dos joelhos, de cor verde, combinando perfeitamente com seus olhos verdes. Após ele ter recebido seus diplomas, retornou para seus amigos, mas a organização do evento lhe reservou uma grande surpresa. Foi convidado para hastear a bandeira do Estado e para receber o prêmio de segundo melhor aluno da escola. Foi nesse momento que ela se ofereceu para segurar seus prêmios, enquanto hastearia a bandeira, demonstrando possuírem uma intimidade gostosa, como se fossem namorados. Ele ficou encantado.
Ao final das homenagens, ele retornou, recebeu os parabéns dos amigos, abraçou-os e dançou forró a noite inteira com Marta. Infelizmente não era possível dançar com Patrícia, mas ela ficou o tempo inteiro guardando seus prêmios, se olhavam o tempo todo.
Depois da feira de ciência, quase em seguida iniciavam-se as provas finais. Ele, já estando praticamente aprovado por antecipação, aproveitou para ajudar os colegas que estavam com dificuldades, estudando junto com eles, não só ele, mas Antônio e Doutor, que também se encontravam aprovados na maioria das matérias. As manhãs de sábado começavam com estudos na casa de Antônio. Ele andava uma légua para chegar lá e terminava, é claro, na sinuca, na piscina ou no futebol; desses estudos só os meninos participavam.
O nível de solidariedade entre eles era tão grande que, no dia da prova de inglês, Antônio já aprovado, logo que o professor informou haver colocado o gabarito da prova no quadro de aviso, entregou imediatamente sua prova, sem mesmo tê-la respondido, para assim poder pegar o gabarito e passar para seus colegas, atitude que André nunca esqueceu.
Foto: Daniel Barros
Havia chovido na noite anterior. A areia da praia amanheceu ainda molhada, e o sol nasceu sob poucas nuvens. Os pássaros tentavam pescar alguns peixes, que em cardumes saltavam nas águas calmas da enseada da Pajuçara. Assim começava o dia em que ele receberia as notas das provas finais e também encontraria Patrícia. O resultado das provas talvez não fosse tão importante, mas o encontro seria definitivo para ambos.
Seu irmão, poeta e artista plástico, preparou um cartão feito de nanquim, inteligente e romântico, que falava sobre um futuro de paixão, felicidade e lealdade, tudo que ela não tivera até então em seu relacionamento.
Após seu passeio na praia, ele foi a esse encontro: chegou antes dela e sentou, com seus amigos, nas escadarias do pátio da escola, onde esperava a secretaria abrir para que pudessem receber seus boletins. Ela chegou! Ele a olhou meio de relance, como se não a tivesse visto. Ela veio em direção ao grupo, cumprimentou-o formalmente, e congratulou-se com os demais. À medida que foram recebendo as notas, os colegas foram saindo e eles ficaram a sós. Conversavam sobre amenidades, ele olhava cada detalhe do seu rosto, de suas mãos e seu corpo, como se fosse a primeira vez. Cada detalhe era mágico e extremamente lindo. Ele deu o cartão e ela abriu um sorriso encantador. Nesse dia ele falou da relação de amizade que tinha com seus irmãos e como eles respeitavam as mulheres e que todos esses conceitos haviam sidos herdados de seu pai. Ela falou que não conversava sobre poesia, política, música, ou assuntos dessa natureza, com seu parceiro, mas conversar sobre música, poesia a deixava feliz. Como uma menina, ela escreveu várias vezes o nome na caderneta de notas dele, para que não esquecesse nunca aquele dia. Nesse momento, ele viu que já não mais havia volta para eles. Após algumas horas de conversa, despediram-se com um firme aperto de mão e um longo olhar de saudade.
Marcaram o próximo encontro. Iriam ao apartamento do avô de André, que, por trabalhar a tarde inteira, o apartamento ficava vazio. Combinaram, então, na porta do colégio: ele vestia jeans e camiseta amarela, com o símbolo antinuclear, ela, blusa azul e calça branca, deixando ainda mais sensual seu corpo: estava linda! O cabelo estava preso apenas em cima, o resto solto sobre os ombros.

Quando chegaram ao apartamento de seu avô, ele a levou à janela onde dava para ver o sol se pondo na lagoa Mundaú e também o apartamento onde ele crescera que ficava na rua acima do de seu avô. O entardecer deixava a lagoa toda dourada, e a luz amarelada do fim de tarde tornava ainda mais verdes os olhos de Patrícia. Sem palavra, apenas se olhavam. Beijaram-se pela primeira vez, parecia que o mundo havia parado. Ele sentia-se embriagado pelo perfume dela, sentia suas mãos delicadas tocando suas costas, abraçava-a, segurando-a como a um tesouro que há muito procurava. Acariciava seu rosto, pescoço, e percorria suave e delicadamente suas costas. Cada toque, cada olhar enchiam seu coração de prazer e felicidade. Não queria que aquele momento acabasse nunca, mas, com o sol, foi embora também aquele maravilhoso dia de intensa felicidade.
*Daniel Barros, 44, escritor e fotógrafo alagoano residente em Brasília, é autor dos romances O sorriso da cachorra, Thesaurus, 2011, Enterro sem defunto, em processo de edição, Editora LER e Coletânea Contos Eróticos editora APED .

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