A história de mais
um
Acreditando em nada
Não conseguia escolher qual mentira seguir
Sem desejo de participar
Não conseguia sentir, ser ou estar
Sem cura para quem conseguiu perceber a farsa que sustenta este jogo de cartas marcadas
Não havia tratamento que o ensinasse a deixar de ver o que está a sua frente
Fingir ser forte só para causar boa impressão
Fingir ter fé só para encurtar o sermão
Fingir que a família vai bem só para retardar o fim do que se desintegra
Fingir que ainda existe para se camuflar entre os que seguem a regra
Tentou o médico mas só o que conseguiu foi aumentar seu tédio
Foi em algumas religiões mas nenhuma conseguiu o embalar ao som das suas enganações
Cada vez mais as coisas faziam menos sentido
Amor ao primeiro
delírio
Escrevi duas linhas
e resolvi chamar de poesia
Levava todo o jeito de
A única dúvida
era o que fazer com aquilo
Qual a serventia
Ofereci a você
como algo puro e sem hipocrisia
Você quis saber qual o sentido de fazer algo que de nada valia
Peguei a poesia, abracei, dei colo
Lancei um olhar apaixonado e disse
Só você me entende
Ele não queria estar
dentro
Não tinha redes sociais
Nunca usou pix ou uber
Aplicativo era uma palavra repulsiva
Estava completamente fora
desse mundo
de “facilidades” que escravizam,
esvaziam, limitam e controlam
Sempre se negou a fazer parte
Agora mais que nunca
O artista do protesto sangrento
Do fundo de seu porão
gritos e uivos em vão
Não suportava mais conviver
com a podre sociedade a lhe conter
Resolveu então elaborar um protesto
com vísceras, sangue e todo o resto
Sequestrou um padre, um pastor, um militar, um ministro e um delegado
para representar todo seu desagrado
Do padre e do pastor arrancou as pernas e os braços
Colocou as Partes de um no outro e os ajeitou em um fraterno abraço
Do militar e do delegado tirou apenas o escroto
Após terminarem de sangrar, colocou o de um na boca do outro
No ministro fez uma obra fecunda
Arrancou a cabeça e enfiou o nariz na ministerial bunda
Tinha ficado elegante, coisa para expor em museu
Nem ele acreditava que todo aquele talento era seu
O rebelde das letras
Não acreditava nas rimas
Mandou as redondilhas a merda
Não tinha paciência pra métrica
A tradição e antigas formas
lhe pareciam algo mais que chato
Brincava com as letras do seu jeito
mesmo desagradando aos que decoravam
toda aquela inutilidade de regras
Por mais que torcessem o nariz para sua produção
que era bom
era
Tentando me
refugiar onde não existe para ver se consigo me livrar
Quanta frustração
e melancolia
temperados com angústias e aflições
E ainda dizem que a culpa é sua
como se fosse uma questão de escolha
submersa neste fluxo em descontrole
Mas o tédio
e o desespero
mantém este desagradável cheiro
E você nunca será bem recebido
como aquela visita esperada
já que de seu corpo exala a fragrância errada
Tudo o que você falar
será considerada a mais pura besteira
já que a lógica imposta diz que você está sempre errado
O jeito é se afastar
sem nenhum humano encontrar
seria uma boa saída para deixar de atrapalhar
Mesmo não querendo sua companhia
eles vão aparecer para azucrinar
dando bom dia e dizendo querer ajudar
Que profunda e desagradável agonia
elevando ao máximo
seu nível de enlouquecimento
Já que nem ao menos consigo me exilar
pegarei a vida e darei uma encarada em seus olhos sarcásticos
a sacudirei pelos ombros e gritarei basta
BASTA!!!!
Turbulência crítica
Os planos deram errado
e tudo o mais rompeu-se em escombros
diante da sua figura
Resta apenas o nada como trunfo
pois o curinga já foi decapitado
sob as leis que mantém tudo em seu devido lugar
Quando você olhar em volta
pesquisando cada centímetro cúbico
não vai encontrar as saídas cuidadosamente camufladas
Portas abertas apenas para alguns
bem nascidos
ou conhecidos de seu Fulano ou Beltrano
Com isso lhe resta a miséria
que o conduzirá rapidamente até este triste e amargo fim
coberto de desgosto e infelicidade
Não se sabe se é praga ou vítima de aparição
coisa de azar ou maldição
estarmos sendo aniquilados com a benção da indiferença
E assim segue o desastre
de geração em geração
sem saber para onde ir
Caminhando como cegos em tiroteios
sentindo o corpo se dissolver
ou correndo sem direção
Um misantropo hediondo por natureza
A solidão preenchendo
um ser tão vazio
quanto a existência
Um peito seco
rachado como a sola do pé
ou um solo árido
Não se sentia bem em grupos
ou se enquadrando a qualquer opção
Não sustentava rótulos
ou tinha convicções
Sozinho chegou
e mais sozinho ainda se foi
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