Capítulo 6 - O sorriso da Cachorra
O carnaval
O carnaval estava
chegando e ela propôs passarem juntos aqueles dias de festa. Para ele seria um
sonho! Ela o informara que passaria em uma praia do interior próxima da
Capital. André não sabia como iria, mas daria um jeito. Conversando com sua tia,
descobrira que ela pretendia viajar com seu namorado para pescar, durante a
semana de carnaval. Em conversa com o namorado de sua tia, convenceu-o a
escolher a mesma praia.
Tudo estava combinado. Patrícia o informou como achar a
casa de praia de seu pai, mas pediu para que tomasse muito cuidado, para não
ser visto por sua família. Ele não entendeu o porquê, mas não questionou.
O dia amanhecera nublado, mas a animação era enorme.
Foram então à praia, ele, sua tia e o namorado dela. Chegando à cidade, encontraram
o primeiro problema. A balsa que levava os carros ao outro lado do rio estava
quebrada, obrigando-os a pegar uma estrada extremamente esburacada e enlameada.
Chegaram a tempo no mar, escolheram uma sombra, armaram barraca de camping e
começaram a preparar o material de pesca. Tentaram a manhã inteira, mas não
pegaram peixe algum. André, que não era nada entendedor de pescarias, já
começava a achar algo estranho.
O local escolhido para armar o acampamento tinha o mar
pela frente, e um imenso coqueiral em volta margeando aquelas lindas areias
brancas. Atrás do coqueiral, uma pequena estrada de terra separava-o de um
manguezal, com sua vegetação exótica, raízes expostas sobre suas águas paradas.
Na lama, caranguejos à espreita, que, ao primeiro sinal de perigo, fugiam para
seus buracos, escondendo-se assim de seus possíveis caçadores.
O mar era calmo e sem ondas. Voltando-se pela estrada ou
caminhando pela praia, podia-se ver a casa do pai dela. Depois do almoço, André
pedira a um menino que brincava perto da barraca que verificasse na casa
indicada por ele se Patrícia havia chegado. A descreveu, com cuidado, e
aguardou ansioso. O menino voltara e o informara que ninguém havia chegado
àquela casa.
Na manhã seguinte, acordara com os primeiros raios de sol.
Por trás das nuvens, o sol brilhava, e o mar estava calmo. À medida que o sol
levantava-se, deixava um belo rastro de brilho sobre o mar. Os pássaros davam
rasantes sobre a água. Após tomar café, fora imediatamente nadar e preparar-se
para pescaria, mas não parava de pensar em Patrícia, e se ela havia chegado. No
meio da manhã, o menino voltara, e André lhe pedira para que novamente fosse a
casa. Ele havia dito a ela onde acamparia e não entendia por que ela não o
procurara. O menino voltara, a casa estava ocupada, mas “a moça” não estava lá.
Decidira que, no final da tarde, ele mesmo iria até a casa.
Após mais um dia de frustração e de insucesso na
pescaria, chegaram à conclusão que aquela praia não era própria para a pesca
com molinete. Guardaram o material de pesca e resolveram beber cachaça com
limão, já que o dia estava fechando e ventava muito, o que significava forte
possibilidade de chuvas. Beberam, conversaram um pouco, mas André não revelara
para sua tia o verdadeiro motivo de ter escolhido aquela praia. Antes que a
chuva caísse, ele fora pessoalmente verificar se ela estava lá. Chegando a casa
se posicionou atrás de uma amendoeira, de modo que não fosse visto. As pessoas
na casa estavam na varanda em frente, jogando cartas, todos. Menos ela! Ele não
acreditara, mas esperou quase uma hora. As pessoas entravam e saíam com bebidas
e comidas, mas Patrícia não estava entre elas. André quase chorara de
desilusão. Finalmente, a chuva começara e ele voltara ao acampamento. Sua tia e
o namorado foram dormir, mas André continuara bebendo, não falava nada, só
observava a chuva e o mar.
Não dormira a noite inteira, sua barraca apresentara um
vazamento e estava encharcada. O dia amanhecera e a chuva continuava. Decidiram
voltar assim que a chuva passasse. Ele concordara de imediato, não via a hora
de saber o que acontecera. Mas a chuva não parara até o meio da tarde.
Resolveram, então, passar mais uma noite e voltarem na manhã seguinte.
Como só voltariam na manhã seguinte, e o dia estava
ficando bom, resolveu caminhar em direção à boca do rio, que ficava não muito
distante do acampamento. O mar recebia o sol de frente. No céu azul-claro, com
nuvens horizontais, bem suaves, gaivotas voavam acompanhando as primeiras
jangadas que retornavam á praia. No horizonte distante, um grande cargueiro
navegava rumo ao sul, provavelmente repleto de açúcar, sangue branco retirado
das terras nordestinas, como quem sangra um animal e vemos em seus olhos sua
vida se findando, à medida que vai perdendo seu brilho e tornando-se opaco. A
monocultura da cana-de-açúcar, além de destruir a terra pela exploração de
centenas de anos, com manejos nada adequados, porém muito pior que o uso
irracional da terra, é a opressão causada aos trabalhadores. Há tempos atrás,
André presenciou o dono da maior usina de cana-de-açúcar do estado “agradecer”
a Deus que a seca tinha sido forte e com isso, naquela safra, poderia pagar um
salário mais baixo aos cortadores de cana, vindos do sertão, pois chegariam
ainda mais famintos e desesperados.
Ao chegar à boca do rio, percebeu um bom lugar para
pescar logo mais a noite. Então se sentou e pôde observar cardumes de pequenos
peixes passando, o que provavelmente atrairia peixes maiores.
Quando chegou ao acampamento, sua tia estava cozinhando
macaxeira, que tinham comprado de pescador local, bem como uma boa porção de
agulhinha. Enquanto isso, seu namorado fritava as agulhinhas, deixando-a bem
fritinhas. É um peixe com diminutas escamas, corpo alongado, boca comprida em
formato de bico, com aproximadamente 20 a 30cm, que quando bem fritinha era
comida inteira, uma delícia!
Como não tinha pescado nada, as barras de gelo estavam
sendo usadas apenas para gelar a cerveja. Abriu uma bem gelada, pegou três
copos e colocou em uma mesinha onde estavam sentados sua tia e Felipe, o
namorado dela.
— Oi, vamos tomar uma cervejinha? Tá bem gelada!
— Oh, André, que maravilha! Tava com preguiça de pegar –
falou Felipe.
— Não seja por isso. Pode deixar que vou trazer um isopor
com uma meia dúzia – começou a encher os copos, com muito “colarinho”.
— Andrezinho, meu lindo – disse sua tia –, pode me fazer
um favor?
— Claro!
— Tem umas garrafas de vinho próximas das cervejas. Pode
colocar uma de vinho branco e trazê-la também?
— Volto logo.
Pegou as cervejas o vinho, cortou um pedaço de queijo
coalho, um pote de azeitonas, orégano, azeite e uma garrafa de água e colocou
tudo no isopor. Pegou também uma manta para sua tia, pois soprava uma brisa
fria à beira mar.
— Trouxe esta manta para você, tia. Acho que pode
esfriar.
— Obrigado, meu filho.
— Encontrei um lugar bom para pescar logo à noite.
— André, com esta chuva, acho difícil pegar alguma coisa,
mas a lua está boa.
— Eh, não sei, mas vou tentar. Agora vamos comer e beber,
que estas cervejas estão perfeitas.
— E comam minha macaxeira, está desmanchando na boca –
falou sua tia.
André cortou o queijo, colocou em um prato juntos com as
azeitonas, amassou o orégano entre as mãos e espalhou sobre o queijo e as
azeitonas, serviu o vinho a sua tia e cerveja para ele e Felipe.
A cerveja e a boa conversa o animaram um pouco,
deixando-o menos triste. Petiscaram e comeram a macaxeira com as agulhinhas.
— Vou tentar pegar algo no ponto que te falei.
— Não quero ir, vou ficar e arrumar as coisas.
— Posso te ajudar.
— Não precisa – disse sua tia – vai tranquilo e leva o
vinho tinto, que sei que você gosta, pode fazer frio na madrugada.
— Obrigado, boa-noite.
Ele se afastou e quando se aproximou das barracas, olhou
para trás e pôde ver sua tia e Felipe se abraçando e se beijando, nenhuma boa
pescaria faria Felipe perder aquele momento.
Pegou o material de pesca, e a garrafa de vinho e uma boa
faca e fora ao local escolhido, com a esperança de que os peixes grandes
saíssem para se alimentar.
Preparou seu molinete médio, com uma linha de 0,04mm, uma
vara de 10 a 20LBS, flexível, colocou uma boia luminosa e lançou ao mar. Apoiou
a vara na espera, sentou-se ao lado, abriu a garrafa de vinho, que estava
enrolada em uma toalha, e bebeu no gargalo mesmo. Estava magnífica! Bebeu mais
uns goles e o colocou novamente na toalha.
Apanhou alguns galhos e
palha de coqueiro e fez uma pequena fogueira. Pegou a vara com uma mão e a
garrafa de vinho com a outra e tomou mais uns coles, degustando aos poucos e
prazerosamente. Do seu lado direito, viu um cardume se alvoroçar, como se
estivessem se assustando com algo. Nesse momento, resolveu recolher a linha
para lançar mais para o lado da boca do rio. Quando a estava recolhendo, viu a
boia mergulhar e a linha esticar. Ergueu rapidamente a vara, para fisgá-lo bem
e ouviu a linha assobiar, deslizando no seu molinete. Deu mais linha e ergueu
novamente a vara recolhendo a linha. Devia ser um grande, pois a vara se
vergou, fazendo-o pensar que ela não suportaria. Com paciência “brigou” com o
“bichão” para poder assim cansá-lo, tentando trazê-lo para longe da correnteza.
A linha esticou na superfície da água e na ponta pôde ver o brilho prateado de
suas escamas, sob a luz da lua. Era um peixe comprido e belo, que mergulhou
novamente.
André caminhava na areia molhada, trazendo o bichão para
a beira. Ele emergiu de novo, se debatendo ferozmente na superfície e
mergulhando em seguida, mais forte que antes, como que num enorme esforço na
tentativa de se desvencilhar. Mas quando voltou a superfície já não tinha a
mesma força de antes. André, assim, pôde dominá-lo melhor, porém era um peixe
valente e não iria se render sem uma boa briga. Não se sabe quanto tempo durou
a “briga”, mas seu nobre adversário já demonstrava sinais de cansaço. André
pôde trazê-lo então ao raso, onde sua capacidade de luta diminuía muito, e
quando já estava à beira do mar, uma onda o virou de barriga para cima. André
finalmente pôde pegá-lo pelas guelras e puxá-lo para fora da água. Era um peixe
esplêndido, corpo comprimento, com a cabeça cônica e a cauda pontiaguda, boca
prognata, nadadeira dorsal inteiriça e anal com espinhos. Devia medir 1,5
metros e pesar uns 3 a 4kg.
Pendurou o peixe em um
galho de árvore, e apanhou a garrafa de vinho, bebendo em goles grandes. Suas
mãos tremiam e suas costas doíam. Abriu a barriga do peixe, para limpá-lo, e
jogou os restos no manguezal. Bebeu o vinho, guardou a garrafa vazia e voltou
ao acampamento com seu troféu.
Desocupou um isopor que continha mantimentos não
perecíveis, quebrou uma barra de gelo, dobrou o bichão e o cobriu com gelo.
A tristeza tinha sido substituída pelo orgulho. Como de
um guerreiro que regressa de uma batalha, ferido, mas vitorioso, certo de que
fez a coisa certa. Adormeceu e acordou pela manhã com Felipe gritando.
— Garoto! Você pegou um grande! Conta-me, como foi?
— Deixa-o acordar, pelo menos – falou sua tia.
André levantou, lavou o rosto, escovou os dentes, sua tia
lhe serviu uma caneca de café preto. Felipe estava ansioso e agitado, não sabia
se olhava o peixe ou se conversava com André.
Sentaram-se na praia, abriram uma cerveja e André passou
a contar-lhe sua aventura, aumentando-a, é claro, como todo bom pescador.
Desistiram de voltar e continuaram mais alguns dias pescando, bebendo e
nadando.
Quanto a Patrícia, quando a encontrou, ela disse ter tido alguns problemas e não pudera ir, e que fora a alguns bailes no clube e lá encontrara seu “ex-parceiro” e que ele a abraçara e dançara com ela sem que ela quisesse. André, não pediu explicações, simplesmente ouvira.
Quanto a Patrícia, quando a encontrou, ela disse ter tido alguns problemas e não pudera ir, e que fora a alguns bailes no clube e lá encontrara seu “ex-parceiro” e que ele a abraçara e dançara com ela sem que ela quisesse. André, não pediu explicações, simplesmente ouvira.
*Daniel Barros, 44, escritor e fotógrafo alagoano residente em
Brasília, é autor dos romances O
sorriso da cachorra, Thesaurus, 2011, Enterro sem defunto, em
processo de edição, Editora LER e Coletânea Contos Eróticos, editora APED.
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