Capítulos 16 e 17 - O sorriso da cachorra
A Praia da Avenida
Era uma sexta-feira de lua
cheia. Como sempre faziam, André e Patrícia iriam a algum boteco beber cachaça
com mel e limão e algumas cervejas. Resolveram ir à praia da Avenida que ficava
perto do centro da cidade, local bom para todos. André e Patrícia já tinham
acertado desde o início da semana que iriam juntos. No último momento, ela
falou que não poderia ir. Ele ficou chateado e perguntou por que. Ela falou que
teria que cuidar do filho. André ficou surpreso, já que ela o informara que já
tinha acertado tudo com sua mãe desde o início da semana, e perguntou o que
acontecera. Foi quando ela lhe disse que sua irmã mais nova a pedira para
acompanhá-la a uma festa na Pajuçara. Ele ficou muito aborrecido, mas mesmo
assim foi ao boteco.
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Bebera e ficara muito empolgado, dominando uma discussão
sobre política. Todos eram jovens, a maioria não gostava de política, mas uma
pessoa se interessou pelo assunto. Era uma menina muito tímida, que falava
pouco, mas participara da discussão sobre política com muito interesse. Ela
tinha cabelos ruivos, abaixo dos ombros e a pele bem branquinha. Era do
interior e tinha entrado na escola há pouco tempo. Logo as conversas passaram a
ser mais pessoais e o grupo começara a se subdividir.
André aproximara-se mais daquela menina ruiva; ela
chamara sua atenção. Quando perceberam estavam conversando sobre suas vidas
pessoais. Ele falara sobre a morte de seu pai e de como o amava e o admirava.
Era um exemplo de hombridade para ele. Com sua morte, ele transferira para seu
irmão mais velho a imagem paterna e que o mesmo também o tratava como filho.
Ela era muito tímida, mas o escutava com muita atenção.
André adorava falar sobre sua família, e a goles de cachaça a conversa fluía
bem. Aos poucos ele foi se aproximando cada vez mais. A lua estava muito bela,
estendendo seu véu sobre as águas da bela praia da Avenida. A música era suave
e prazerosa: bossa nova. E quando viram já estavam se beijando.
André não entendeu o que aconteceu, nunca tinha traído
Patrícia. Aquela menina ruiva era maravilhosa, inteligente, sensível, e com
valores morais admiráveis. Tinha um beijo gostoso e um carinho verdadeiro. Ele,
no fundo, estava ficando chateado com as desculpas e mentiras de Patrícia. Mas
o que ele estava fazendo com a menina ruiva não era certo. Então na segunda-feira,
logo que chegou à escola, procurou a menina e falou que tinha um relacionamento
secreto com Patrícia.
Briga com o Coordenador de
Disciplina: o “Verme”
Era a semana que antecedia o início da temporada de provas,
que eram marcadas pelo coordenador. Todos aguardavam ansiosos pelo calendário
de provas. Para a surpresa geral saiu na segunda-feira, uma semana antes do
início, mas tinha um “pequeno” problema. Física, Química e Biologia estavam
todas agendadas para o mesmo dia! André já estava aprovado em física e
biologia, mas era um absurdo! Eram as piores disciplinas daquele ano. E não
demorou em ser procurado pelos colegas, revoltados com tamanho disparate.
Tranquilizou a todos informando que tentaria resolver o problema. Reuniu-se
então com alguns colegas, e decidiram que ele, como presidente do Grêmio
estudantil, deveria falar com o coordenador de disciplina, seu antigo êmulo.
André tinha que esquecer suas diferenças com aquele mentecapto, e resolver a
pendenga do calendário. Procurou primeiro todos os professores das cadeiras; o
de física, seu amigo, sem problema, e o de biologia tinha por André um grande
respeito. Havia sido o primeiro educador a agraciá-lo com uma medalha de melhor
aluno na oitava série ginasial. O professor de química era muito duro nas suas
provas e não gostava muito de André, porque apesar das provas serem muito
difíceis ele se dava muito bem, pois estudava três vezes mais para aquelas
provas e saía da sala brincando com o professor de como tinha sido fácil, mas o
professor não se opôs a mudança de dia. Pronto! Estava tudo resolvido. Só
faltava solicitar ao coordenador. Tinha passado o dia à procura dos professores
e quando terminara já era tarde, e ele não encontrara mais o coordenador. Então
deixara para o dia seguinte.
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Na manhã seguinte,
acordou com uma boa surpresa: tinha recebido uma carta de seu irmão mais velho,
que estava trabalhando na delegacia de repressão à entorpecente da Polícia
Federal. Ele tinha realizado uma grande prisão! Depois de meses de investigação
e sem dar notícias à família, realizou a prisão de vários traficantes. André
ficou muito contente por seu irmão, que era um jovem muito dedicado e
inteligente. Sentia sua falta, mas sabia do esforço que seu irmão fizera para
se tornar um Policial Federal.
Chegou à aula, pediu permissão ao professor para fazer um
comunicado, e informou à turma que já havia conversado com os professores e que
no intervalo das aulas falaria com o coordenador. Em seguida, agradeceu a todos
e ao professor pelo espaço.
Quando “tocou” a sirene do intervalo, ele foi à sala do
coordenador solicitar a troca de horário, informando que havia falado com os
professores e que todos tinham concordado. O coordenador, com um cínico sorriso
no rosto magro e pálido, disse:
— Não! Não vou fazer a troca.
— Professor! Por quê?
— Porque não quero – respondeu ainda sorrindo.
— Todos os professores concordaram e são disciplinas
difíceis para a maioria dos alunos. Alguns professores acharam até bom, porque
os alunos terão mais tempo para estudar.
— Mas eu não autorizo.
— Professor, eu não estou falando por mim, já estou
aprovado por antecipação nas duas disciplinas, mas a turma tá mal.
— Não! – disse aumentando o tom da voz.
— Mas me diga pelo menos por que.
— Porque eu não quero, meu filho.
— Meu filho, não! Que não sou nada seu!
— Meu amigo...
— Muito menos seu “parceiro”, para o senhor me chamar de
amigo. Meu nome é André Marinho e não sou seu filho nem seu amigo. Estou aqui
como presidente do grêmio e representante da turma.
— Então, André, você está expulso da minha escola e...
— Com base em que o senhor pensa que vai me expulsar?
Estou aqui como representante legal dos estudantes.
— E sai da minha sala!
— Venha me tirar se você for homem.
— Sai! – gritou pelo segurança (censor) – tire-o daqui!
Nesse momento, o censor – um negro alto e forte com um
grosso bigode –, com um olhar triste (ele gostava de André e o respeitava
muito), deu um passo à frente. O menino magro e franzino apontou o dedo em
direção do censor.
— Você é meu amigo! Não se meta nisto!
— Não, Marinho, mas tenha calma.
— Eu quero que ele seja macho para me tirar daqui –
olhando fixamente para o coordenador.
No momento em que o censor ergueu-se na cadeira, Antônio
e Doutor, que estavam até então do lado de fora da sala com os outros alunos,
entraram e se posicionaram ao lado de André. Os demais ficaram do lado de fora.
— Por esses motivos – falou André – e por essas atitudes
de pessoas como você que este colégio está decaindo e ficando mal falado.
Endurece com quem está certo, por arrogância, e se abaixa para os pais dos
alunos ricos, que veem buscar aqui aprovação. Estes são muito bem recebidos
para realizarem acordos escusos.
Nem parecia aquele menino magro e sorridente que era.
Estava com os olhos esbugalhados e a testa franzida. Ali não mais um menino
falava, mas um homem que estava diante de um covarde que se escondia por trás
de uma pseudoautoridade. Deu um passo em direção daquele verme, que recuou em
sua cadeira, afundando-se nela, no momento em que Doutor e Antônio
seguraram-lhe.
— Vamos sair – falou Antônio.
— Vamos, meu amigo – disse Doutor.
Na saída da sala, os alunos estavam abismados, não
acreditavam no que tinham visto, e falavam.
— Esses três são uns bestas, vão se dar mal – disse um
menino a uma colega.
— Eles são é uns “cabras machos da peste!” – começando
ela as palmas que vieram em seguida.
Todos queriam parabenizá-los. Sorriam, batiam em suas
costas e diziam palavras de apoio. André tinha os dentes travados, a testa
franzida e os olhos queriam chorar de raiva, mas ele não permitiria.
— Acho que as meninas gostaram. – disse Antônio. – Estão
todas sorrindo para a gente, vamos nos dar bem. André olhou para ele e deu um
pequeno sorriso.
— Nós estamos lascados. Ainda bem que aquele filho da
puta esqueceu de expulsar vocês também...
— Coisa nenhuma! – disse Doutor, antes que terminasse. –
Se você sair, nós também sairemos.
— Mas... – tentou André.
— Mas, porra nenhuma! – interrompeu Antônio. – Doutor
está certo e fim de papo!
Os três amigos pararam no meio da multidão que os cercava
e se abraçaram. Outros colegas mais conhecidos foram chegando e também os
abraçando. E mais outros também, transformando-se em um grande abraço coletivo.
Vendo o que estava acontecendo, o coordenador apressado correu para antecipar o
fim do recreio, tocando a sirene. Todos foram se dispersando, um para cada
lado, para suas salas de aulas.
Depois das aulas, os três se encontraram no pátio da
bandeira e se sentaram para planejar o que fazer.
— Já sei o que vamos fazer. – falou Antônio. – Depois de
amanhã quando a aula acabar já vai está escuro, vamos pegá-lo e vamos dar-lhe
uma “pisa da cota!”.
— Eh, eu tô puto! – disse Doutor.
— Não! Eu agradeço, mas não podemos perder a razão; ele
não tem base para me expulsar.
Conversaram muito e chegaram a uma conclusão: a melhor saída
era conversar com alguns professores que eram próximos a eles, por serem bons
alunos, e buscarem que intercedessem por eles junto à direção geral.
Explicariam a arbitrariedade cometida pelo “verme” e informariam ainda que iam
procurar a entidade estadual dos estudantes. Depois denunciariam tudo à
impressa, já que André era presidente do grêmio. E mais: Antônio e Doutor
também sairiam da escola caso a expulsão se concretizasse. Assim a escola
perderia três dos melhores alunos, a três meses do vestibular.
André tinha chegado atrasado ao encontro no pátio, pois
havia ficado ensinando como resolver um problema de química a uma colega que
não entendera a explicação do professor. Perguntou a Antônio onde estavam os
outros colegas mais próximos e também por Patrícia e Marta. Este falou que
todos tinham ido beber no boteco da esquina. Como era véspera de feriado, todos
saíram como de costume, mas naquele dia... Ficou surpreso e decepcionado,
principalmente com a atitude de Patrícia. Antônio percebera o desapontamento
pela falta de companheirismo dela e abraçou André pelo pescoço, dizendo:
— Vamos comprar um garrafão de vinho e chamar aquelas
meninas que ficaram dando mole para gente hoje e ver se pelo menos para isto
serviu esta confusão.
Na saída pôde ver que todos estavam no bar, inclusive
Patrícia. Alguém tocava violão e Marta cantava; os demais faziam a segunda voz,
mas não foi lá. Após comprarem o vinho, eles foram bebê-lo na praia. Antônio
tinha razão, as meninas que os olhavam à tarde aceitaram o convite e se
encontraram com eles na Pajuçara. André disfarçara bem as preocupações.
Enquanto isso, os outros brincaram, dançaram, namoraram e beberam; as meninas
riam muito com as brincadeiras de Antônio e a noite foi divertida graças às
meninas e às brincadeiras de Antônio, apesar do dia que tiveram.
Quando chegou a casa, sua mãe falou que Patrícia ligara,
mas ele não retornou a ligação. Tomou banho, comeu um delicioso sururu ao coco
que sua mãe fizera e foi dormir, ainda sob o alegre efeito do vinho.
Após o feriado, o
professor Paulo, seu antigo professor de matemática, juntamente com outros
professores, foi à direção e reverteu a expulsão, porém os horários das provas
não foram alterados. Os três resolveram então retaliar, decidindo que todos
passariam naquelas disciplinas. Bolaram então um esquema para passar “cola”
para toda a turma e não só para alguns. Mas vazou o boato e os cuidados foram
redobrados: os três foram revistados no dia da prova, e pareciam suspeitos de
algum crime. Suas canetas eram abertas, seus livros folheados página por
página, todas as técnicas possíveis de cola foram checadas. Em momentos
anteriores eles já tinham passado pesca por borracha, dentro de livros e até
mesmo dentro de tubos de canetas tinteiros vazios, mas, por garantia, os três foram
colocados na frente da sala, um metro a frente da turma. Resultado: todos
tiraram notas entre 8,5 e 10. Durante todo o ano a média da turma tinha sido de
4,6. Como?! Era o que os professores pensavam.
Haviam combinado com a turma um sistema de “cola”
infalível; 20 minutos antes do final da prova, um dos três, previamente
combinado, perguntaria ao professor quanto tempo faltaria para o término da
prova. Nesse momento começaria a passar a “cola”, que seria passada da seguinte
forma: Doutor começaria e, como as provas tinham 50 questões de múltipla
escolha (A,B,C,D e NDR), se a resposta fosse A, ele apontaria a caneta para
frente; se B para o lado direito; se C para o lado esquerdo; se D para o teto
e, finalmente, se nenhuma das respostas apontaria para o chão. A partir da 11.ª
questão André assumiria e Antônio a partir da 21.ª e assim sucessivamente. Como
os colocaram na frente da turma, facilitaram as coisas em vez de dificultarem.
O resultado fez com que os professores, que não tinham nada a ver com os problemas
do coordenador com os três, ficassem furiosos, pois sabiam que os amigos tinham
aprontado, mas não sabiam como. Já o coordenador não queria admitir o fracasso,
porém, por pressão dos professores, resolvera anular a prova.
As provas foram remarcadas. Desta vez não permitiram que
os três as fizessem junto com a turma. Enquanto eles faziam as provas no pátio
da bandeira, a turma as fazia em uma sala isolada no extremo da escola, com dez
supervisores fiscalizando. E após terminarem, os três foram acompanhados até
fora da escola. A prova foi repetida, as mesmas questões, porém, metade da
turma tirou nota baixa, e eles ficaram desolados apesar de terem tirado 10.
Metade da turma estava triste com o resultado da prova de
biologia e por esse motivo o professor sumira para evitar discussões. O
professor cometera um erro ao transcrever as notas para a caderneta, justamente
a prova de Patrícia, que estava com a nota errada. O professor havia colocado
6,5, quando na realidade ela tirara 9,5. André era amigo do professor, e foi a
casa dele, mas não o encontrou; foi a casa do sobrinho do professor que também
era seu amigo, mas nada. Enquanto isso perdera alguns dias de estudos para o
vestibular. Finalmente encontrou o professor, com a ajuda do sobrinho, e o problema
foi resolvido.
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*Daniel
Barros, 45, escritor e fotógrafo alagoano residente em Brasília, é autor dos
romances O sorriso da cachorra,
Thesaurus, 2011, Enterro sem defunto, Editora LER, 2013, Coletânea Contos Eróticos e Contos Sobrenaturais Enquanto a Noite Durar editora APED,
2013.
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