Capítulos 22 e 23 - O sorriso da cachorra
Glória
A Menina da Jardineira
Era um lindo dia de janeiro, e como sempre, neste mês, o sol
estava belo e o céu de um azul límpido. André acordara cedo para ir ao
comércio, pegou a jardineira que não estava muito cheia, mas não havia lugares
para sentar. Na parada seguinte, uma moça subiu. Era linda, olhos pretos e
grandes, os cabelos também negros e compridos, muito lisos. Tinha a pele branca
como um chumaço de algodão e o corpo magro e esguio. Vestia uma calça marrom e
camiseta branca, que deixava seus seios muito sensuais, pois eram pequenos e
rígidos. Tinha bumbum empinado, porém proporcional àquele corpo delicado.
Aquela mulher estava com uma bolsa a tiracolo, também marrom; nos braços,
livros e cadernos. André tentou ver algum nome nos livros e cadernos, mas não
conseguira, porém notara que o livro era sobre conservação de solo. Desceu da
jardineira antes dela, mas quem era aquela deusa? Onde poderia morar, já que
pegara a jardineira tão perto da casa dele? Ficou encantado com aquela menina
altiva e séria.
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Passou-se o mês de
janeiro e, com ele, o fim das férias e o início da faculdade. Foram dias de
muitas novidades: novos colegas e matérias diferentes; e cada aula era em uma
sala diferente e em blocos diferentes. A universidade era enorme. Muitos alunos
estavam de cabeças raspadas, em virtude do vestibular; menos Juju, a única
mulher da turma, para infelicidade geral. Além do mais, ela era casada. A aula
inaugural foi dada pelo Centro Acadêmico (C.A.). Os “professores” falaram sobre
as dificuldades por que passava a universidade e a eterna crise da educação, e
que seria necessária a participação de todos nas lutas pelas melhorias. André
prestara muita atenção, mas não falara nada, não pretendia participar de nenhum
movimento durante os dois primeiros anos de faculdade. Falaram também sobre o
grupo de agricultura alternativa, movimento que pregava uma agricultura livre
de pesticidas e adubos químicos, e o respeito à natureza. Ele ficou muito
impressionado com essa proposta. O líder do grupo era um sujeito moreno e meio
maltrapilho, de olhos pequenos e barba escura; porém sorridente e simpático, o
que o tornava muito carismático. “Dorme sujo” (DS) era o seu apelido.
Após a aula, André procurou um colega para falar mais
sobre essa tal de “Agricultura Alternativa”. O colega o explicou que não se
tratava só de uma questão técnica, mas de uma independência econômica dos
pequenos agricultores, já que a maioria das universidades só pesquisava para os
grandes produtores e consequentemente para a monocultura, no caso de Alagoas,
da cana-de-açúcar. Ele ficou fascinado com tal compromisso e por aí se foram os
dois anos de trégua que daria no Movimento Estudantil.
Depois das últimas aulas do dia, “DS” o encontrou na
saída do bloco de matemática e o convidou para jantar no restaurante
universitário (RU), pois logo depois do jantar haveria uma reunião do C.A. na
sede do DCE, que ficava na rua do comércio. Ele aceitou. O RU ficava na Praça
Sinimbu, no centro da cidade. O prédio tinha um jardim com árvores, craibeiras,
árvore símbolo de Alagoas, um pequeno portão de ferro e uma escadaria que dava
para uma pequena porta rodeada por uma parede circular de combogois. Após a
entrada havia um grande salão, em frente a este uma bancada tipo de bar; do
lado esquerdo havia uma escada que dava para um mezanino, e depois outro salão
menor, que dava para outro jardim; após esse jardim ficava a antiga residência
universitária. Era mágico! Lembrava os anos 1970.
Os dois comeram uma macarronada com ovos e molho de
tomate, pão e café. E muito conversaram sobre política e ecologia. Seguiram
então para a reunião no DCE, um prédio antigo de dois andares. Os demais
colegas ainda não haviam chegado. E foram chegando aos poucos... Então a
reunião começou, era tudo novo e interessante. Por um momento a discussão
parou, interrompida por uma voz suave.
— Boa-noite! Desculpem o atraso!
Ele não acreditou no
que viu. Era ela! A menina da jardineira entrou, beijou no rosto apenas DS e
sentou-se num canto perto da janela. Por alguns minutos André não ouvira mais o
que se falava na reunião, apenas a observava. Ela sentou, colocou a bolsa
marrom sobre a alça da cadeira e pegou um pequeno caderno de anotações, que
tirou da bolsa, colocando-o sobre a carteira escolar. Mexeu nos cabelos negros,
olhou para ele e sorriu cumprimentando-o como se lembrasse dele. Mas era impossível.
Ela nem o havia visto na jardineira. DS pediu um intervalo antes do novo ponto
de discussão, que era longo e idealista. Pronto, era a oportunidade que André
tinha para falar discretamente com a garota. Godoy, um cara moreno e magro com
ar de preguiçoso, conversava com ela. André aproximou-se se apresentou,
perguntando se já não a conhecia. E ela disse que o havia visto uma vez em um
ônibus próximo a casa dela. Ele fez de conta que não se lembrava, mas ficou
contente. Falaram então um pouco sobre a cidade e sobre a coincidência de
morarem no mesmo bairro. Ela falou que não ficaria até o final da reunião, pois
terminava muito tarde. André então se prontificou para levá-la em casa, mas ela
insistiu para que ele continuasse na reunião. Ele aceitou com a condição de
levá-la ao ponto de ônibus.
Caminharam por todo o
comércio para chegar ao ponto de ônibus melhor. Conversaram sobre a reunião e
André perguntou o que ela achara: ela dissera que o CA deveria se comprometer
mais com pesquisas. Ele discordou opinando que o CA era uma entidade
eminentemente política e que poderia sim ocupar-se com políticas de pesquisa,
mas não com a própria pesquisa. O ônibus veio chegando, e ela se aproximou de
André para dar-lhe dois beijinhos. Ele a beijou bem junto da boca e
despediram-se.
A Praia do Sobral
Chegou o domingo e
André acordou cedo, já que Patrícia quando ia à praia chegava às nove horas da
manhã. Esperou por ela até meio-dia e ela não aparecera. Resolvera então ir só,
afinal a menina da jardineira poderia estar lá. A praia do Sobral era de mar
aberto, de areias brancas e fofas, marcadas pelo branco das ondas que quebravam
ao longo da praia. Desceu o calçadão que ficava um metro acima do nível da
areia e começou a caminhar para o sul, lado mais deserto da praia. Um
quilômetro de caminhada e a praia já estava totalmente deserta. André quase não
acreditou no que estava vendo: era uma deusa que ali estava deitada tomando sol.
Estava só no meio do nada, linda e deslumbrante. Aproximou-se.
— Pensei não mais encontrá-la!
— Olá! Que bom que veio, e Patrícia?
— Não sei, não veio!
— Vamos caminhar?
— Claro! A propósito, você está linda!
— Mas... Eu só estou de biquíni... Como posso estar
bonita?
— Você é linda!
Caminharam por mais
uns dois quilômetros e voltaram ao mesmo ponto onde se encontraram. Pararam.
Ela queria entrar no mar. Entregou sua canga e caminhou para o mar, mergulhou e
sumiu por um instante sob uma onda mar adentro. Quando voltava para a areia,
parou na saída d’água, pendeu seu corpo, jogando os cabelos para frente e
depois para trás. O sol dourava seu corpo perfeito, pernas torneadas, seios
pequenos e rijos, cintura fina. Cabelos longos e negros cobriam suas costas. Caminhava
esguia e altiva. Voltou, pediu a camisa dele, enxugou o rosto e deitou na saída
de praia que ele já havia colocado sobre a areia. Sentou-se ao seu lado e
aproximou-se dela. Foi quando olhou para o norte e viu alguém se aproximando...
Era Patrícia! Fazer o quê? Parou, falou para a menina da jardineira que achava
que era Patrícia e fez de conta que não a tinha visto. Patrícia chegou,
cumprimentou os dois. André a beijou, e sentaram-se os três como se nada
estivesse acontecendo, apesar de Patrícia estar irada.
Voltaram para casa e Patrícia indagou o que estava
acontecendo. André explicou que a esperou até meio-dia e, como ela não chegou,
resolvera esperá-la na praia, e que ela estava imaginando coisas, já que ele
sabia que ela viria. Como poderia encontrar propositadamente com outra pessoa
se ia se encontrar com ela?
Um mês depois, era uma manhã de sábado, ele e Patrícia
haviam combinado de irem à praia. Ela chegou cedo, como de costume. Entrou em
seu quarto, acendeu a luz e ele acordou. Ela estava linda, biquíni verde e
preto e uma saída de praia amarrada na cintura. Ela o beijou na testa, e ele
foi ao banheiro. Quando voltou, ela estava sem a saída de praia e deitada de
bruços lendo “Na volta da esquina” de Mário Quintana. Era uma visão perfeita.
Sua pele branca contrastava com o biquíni escuro. Patrícia olhou para trás e
André estava em pé na porta do quarto. Ela sorriu, virou-se para ele e o chamou
com os braços. Ele deitou-se sobre ela e a cobriu de beijos e carícias,
tirando-lhe o biquíni e beijando-lhe os seios e todo o seu corpo. Fizeram amor
e depois dormiram juntos e abraçados por toda a manhã.
Era perto das onze
horas da manhã quando André ouviu uma voz suave lhe chamando. Abriu a janela do
quarto que dava para rua e pôde então ver: era ela, a menina da jardineira.
Estava de short jeans curto e blusa de alça também azul. Não usava sutiã
e ele pôde ver a silhueta de seus belos seios. Vestiu um calção e foi atendê-la
no portão. Patrícia levantou-se e ficou na janela. Cumprimentou a menina, mas
não deu nem um sorriso. Ela pediu desculpa por estar interrompendo, falou algo
não importante e se despediu de André. Quando voltou para o quarto, Patrícia
estava furiosa, dizia que aquela menina estava passando dos limites. Ele
explicou que não tinha nada a ver e que a menina era noiva de um estudante de
medicina e que iria se casar após a faculdade. Patrícia retrucou afirmando ser
mulher e saber quando uma outra estava cortejando um homem. André sorriu, a
abraçou, a beijou e disse:
— É você que amo e que sempre amarei.
*Daniel
Barros, 45, escritor e fotógrafo alagoano residente em Brasília, é autor dos
romances O sorriso da cachorra,
Thesaurus, 2011, Enterro sem defunto, Editora LER, 2013, Coletânea Contos Eróticos e Contos Sobrenaturais Enquanto a Noite Durar editora APED,
2013.
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