Por Fabio da Silva Barbosa
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Baba Grossa
É a época da proliferação das rãs
com seus barulhos engraçados
e dos insetos
com seu existir desgraçado
e do amor
e do sofrimento
e da angústia
e da melancolia
e do mal estar
e dos atropelamentos
e das metralhadoras
e das granadas
fumaça
bombas de gás
Muitos tormentos
Fermentos para sofrimentos
Feridas e dores
Amargor
Torpor
Fedor
Rancor
Bolor
Cerveja quente
sabor iogurte
de frutas saturadas
Bagaça fermentada
Como sopa enlatada
com gordura ensebada
Churrasco e rabada
enquanto a criatura esfomeada
mata a ratazana
esfaqueada
ensopada
empapada
devorada
Ossos crocantes estalando
sob a pressão da gengiva
Gengivite
Faringite
Laringite
Bronquite
Acredite
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Culpados
A lágrima que escorre pelo rosto marcado
banhando cada suco
Amargurado
pelas tormentas que infligem as mais severas punições
por insistir em respirar
refletir pensar
questionar
e estar vivo em sua plenitude
Culpado por não aceitar
por não querer fazer parte
de uma tragédia
escrita com garranchos e sangue coalhado
Castigado por existir
persistir
insistir
em ser quem é
sem se submeter
ou virar apenas mais uma cópia
dessas que andam por aí
ou boneco
guiado pelas cordas
suspensas por mãos sinistras
já em estado de putrefação
ou objeto
decorativo
estático e sem
alma
esperando pelos
insetos
para preencher
um interior
recheado de
inutilidades
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Docinhos de fel
Quanto mais a vida passa
muito menos me agrada
Cercado por falcatruas mil
desde o dia em que nasci
aprendi a sobreviver
na selva oligofrênica
aprendi a odiar
Não gosto das pessoas em geral
Não vão me enganar
Aprendi a contestar
Aprendi a confrontar
Não vou me conformar
Não vou me encaixar
Querem me iludir
Querem me enquadrar
Mas não vou me acostumar
Não vou me acomodar
Eles mentem sem parar
Querem te adestrar
para torná-lo inofensivo
ou então acorrentar
Mas não vão me parar
nem o pensamento enjaular
Parem com esse papinho
que não vou acreditar
E você diz que me amarra
pra poder me proteger
E você diz que me castra
pra eu não enlouquecer
E me impõe suas verdades
E me empurra suas verdades
pela garganta abaixo
sem deixar minha voz
dizer o que penso
dizer o que acho
Aprendi a discordar
Aprendi a protestar
Até que me reste só a caveira
um crânio
uma ossada
irei resistir
Já não posso desistir
Impossível é continuar assim
Tudo chega ao fim
E essa estrada cheia de dor
desespero sem sabor
Já cortaram minha língua
e quebraram os meus ossos
Já furaram os meus olhos
e soldaram meus ouvidos
Mas ainda posso continuar
nem que seja a última coisa
nem que seja o último ato
Nunca me adaptarei ao sistema
prefiro ser mais um problema
que entrar no esquema
Ser uma afta incomodando
uma tensão sempre a pairar
Não abra mão
da sua capacidade de pensar
sem abandonar a imaginação
Se não pode ser questionado
fique alerta e tome cuidado
pois é mais uma armação
para te esmagar
imobilizar
domar
incapacitar
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Transbordando/Enxofre
Tratados e leis arrancam seus olhos
Horários e compromissos castram sua vontade
Fuligem e fumaça sufocam seus pulmões
Modas e padrões os impedem de pensar
Colocam mais sabão
na máquina de lavar
para enxaguar seu cérebro
paralisando as partes
com perfume
e laços de fita
Não precisamos de sua mentira
ou da hipocrisia que for
Tentar nos esquartejar
já virou rotina
banal
neste safári grotesco
onde nossos corpos apodrecem
deixando nosso fedor pútrido
a marcar nossa posição
Suco de entranhas
Lábios rachados
Tripas secas
Buchos inchados
Fome e miséria
Doenças e catástrofes
É o ápice da humanidade
do sistema carniceiro
Canos entupidos
Tampas de bueiro
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tenho passado pouco em casa
preferindo o frio dessa noite
com suas calçadas e poças
refletindo luzes e dores
fomes e misérias
feridas e temores
com suas valas e bueiros
transbordando o fedor
de tanto horror
e solidão
quanta podridão a nos cercar
a violência vai deixar
marcas
cicatrizes eternas
por toda parte
por todo lugar
mostrando as rugas
da pretensão
tanta injustiça e insatisfação
nessa farsa
nessa prisão
e as garras da hipocrisia
a hipnose da maioria
que vive só fingindo crer
e nada vai acontecer
mesmo que comece a chover
pro chão absorver
o que há muito tempo está no ar
nem mais sal tem o mar
então chegam armados pra evacuar
mais uma concentração
tenho de parar de beber
quem sabe comece a obedecer
e assim possa pertencer
ao álbum das boas recordações
e ser considerado
mais um pacato cidadão
mas quem disse que vou querer
fazer parte do pacote
das boas recordações
recheado de esperanças e ilusões
Um céu escuro
cinza e completamente sem luz
nesse frio insuportável
que congela nosso peito
e mata nossa alma
sufoca nosso grito
e ninguém entende
algo de tudo que falamos
e ainda tentamos explicar
mas já não temos tempo a perder
com ouvidos surdos
ou mentes enlatadas
Tudo o que resta
é o nada
sem cheiro, sem gosto e sem sentido
sem perspectivas e sem futuro
Nada mais faz sentido
E quando é que fez?
Os parasitas chegam pra sugar
o que ainda resta
e os carniceiros já aguardam os meus restos
e nossa existência inexistente
não permite que esqueçamos
do vazio que nos preenche
Estamos tão áridos
que nosso solo já rachou
Nada mais nasce aqui
nessa terra devastada
E até os cegos podem ver
mas eles também duvidam
Afinal
acreditar
virou apenas mais uma forma de mentir
É apenas a lembrança
dessas plantas
que há muito
já morreram
e não adianta mais regar
e não adianta querer dançar
se as pernas já caíram
Como ovos podres
eles tentam
nos convencer
que só querem ajudar
mas a vida já passou
e a memória se esqueceu
o tempo se arrasta
e a hora nunca chega
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O descer
Estou aqui
Me derretendo em fezes
Já escorreram as entranhas
E coisas que me parecem estranhas
Se foi isso que comi
Está cheio de moscas e vermes
É como uma corrente elétrica
Que percorre meu corpo
Causando convulsões e espasmos
Desligando meu cérebro
Parecendo o fim
Levando-me ao necrotério
Mas é apenas uma condição natural
Algo de nascença
Já me sinto fadigado
Minha cor esverdeada
Minha língua mordida
Minhas veias exaltadas
Os olhos ardem
E o gosto é amargo
Acho que isso é um pedaço do pâncreas
Acho que isso não é mais nada
Mas se isso não é meu fígado
Então é algum dente
O pulmão já é um saco preto
Murcho e sem vida
Parecendo uma uva passa mofada
Uma carcaça atropelada
Um monte de nada
Uma porra gozada
Sugado pelo buraco negro
Que consome a pouca energia que me resta
Jogam fora os meus restos
Dizendo que nada aqui presta
Que começará o funeral
Que comece a festa
Não aguento mais
sem dinheiro no bolso
amor no coração
ideias que me convençam
ou ao menos uma ilusão
Apenas aguardo que me perfume
a doce fragrância da putrefação
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