sexta-feira, 4 de outubro de 2013

Capítulos 16 e 17 - O sorriso da cachorra

A Praia da Avenida

Era uma sexta-feira de lua cheia. Como sempre faziam, André e Patrícia iriam a algum boteco beber cachaça com mel e limão e algumas cervejas. Resolveram ir à praia da Avenida que ficava perto do centro da cidade, local bom para todos. André e Patrícia já tinham acertado desde o início da semana que iriam juntos. No último momento, ela falou que não poderia ir. Ele ficou chateado e perguntou por que. Ela falou que teria que cuidar do filho. André ficou surpreso, já que ela o informara que já tinha acertado tudo com sua mãe desde o início da semana, e perguntou o que acontecera. Foi quando ela lhe disse que sua irmã mais nova a pedira para acompanhá-la a uma festa na Pajuçara. Ele ficou muito aborrecido, mas mesmo assim foi ao boteco.
Bebera e ficara muito empolgado, dominando uma discussão sobre política. Todos eram jovens, a maioria não gostava de política, mas uma pessoa se interessou pelo assunto. Era uma menina muito tímida, que falava pouco, mas participara da discussão sobre política com muito interesse. Ela tinha cabelos ruivos, abaixo dos ombros e a pele bem branquinha. Era do interior e tinha entrado na escola há pouco tempo. Logo as conversas passaram a ser mais pessoais e o grupo começara a se subdividir.
André aproximara-se mais daquela menina ruiva; ela chamara sua atenção. Quando perceberam estavam conversando sobre suas vidas pessoais. Ele falara sobre a morte de seu pai e de como o amava e o admirava. Era um exemplo de hombridade para ele. Com sua morte, ele transferira para seu irmão mais velho a imagem paterna e que o mesmo também o tratava como filho.
Ela era muito tímida, mas o escutava com muita atenção. André adorava falar sobre sua família, e a goles de cachaça a conversa fluía bem. Aos poucos ele foi se aproximando cada vez mais. A lua estava muito bela, estendendo seu véu sobre as águas da bela praia da Avenida. A música era suave e prazerosa: bossa nova. E quando viram já estavam se beijando.
André não entendeu o que aconteceu, nunca tinha traído Patrícia. Aquela menina ruiva era maravilhosa, inteligente, sensível, e com valores morais admiráveis. Tinha um beijo gostoso e um carinho verdadeiro. Ele, no fundo, estava ficando chateado com as desculpas e mentiras de Patrícia. Mas o que ele estava fazendo com a menina ruiva não era certo. Então na segunda-feira, logo que chegou à escola, procurou a menina e falou que tinha um relacionamento secreto com Patrícia.


Briga com o Coordenador de
Disciplina: o “Verme”

Era a semana que antecedia o início da temporada de provas, que eram marcadas pelo coordenador. Todos aguardavam ansiosos pelo calendário de provas. Para a surpresa geral saiu na segunda-feira, uma semana antes do início, mas tinha um “pequeno” problema. Física, Química e Biologia estavam todas agendadas para o mesmo dia! André já estava aprovado em física e biologia, mas era um absurdo! Eram as piores disciplinas daquele ano. E não demorou em ser procurado pelos colegas, revoltados com tamanho disparate. Tranquilizou a todos informando que tentaria resolver o problema. Reuniu-se então com alguns colegas, e decidiram que ele, como presidente do Grêmio estudantil, deveria falar com o coordenador de disciplina, seu antigo êmulo. André tinha que esquecer suas diferenças com aquele mentecapto, e resolver a pendenga do calendário. Procurou primeiro todos os professores das cadeiras; o de física, seu amigo, sem problema, e o de biologia tinha por André um grande respeito. Havia sido o primeiro educador a agraciá-lo com uma medalha de melhor aluno na oitava série ginasial. O professor de química era muito duro nas suas provas e não gostava muito de André, porque apesar das provas serem muito difíceis ele se dava muito bem, pois estudava três vezes mais para aquelas provas e saía da sala brincando com o professor de como tinha sido fácil, mas o professor não se opôs a mudança de dia. Pronto! Estava tudo resolvido. Só faltava solicitar ao coordenador. Tinha passado o dia à procura dos professores e quando terminara já era tarde, e ele não encontrara mais o coordenador. Então deixara para o dia seguinte.
Na manhã seguinte, acordou com uma boa surpresa: tinha recebido uma carta de seu irmão mais velho, que estava trabalhando na delegacia de repressão à entorpecente da Polícia Federal. Ele tinha realizado uma grande prisão! Depois de meses de investigação e sem dar notícias à família, realizou a prisão de vários traficantes. André ficou muito contente por seu irmão, que era um jovem muito dedicado e inteligente. Sentia sua falta, mas sabia do esforço que seu irmão fizera para se tornar um Policial Federal.
Chegou à aula, pediu permissão ao professor para fazer um comunicado, e informou à turma que já havia conversado com os professores e que no intervalo das aulas falaria com o coordenador. Em seguida, agradeceu a todos e ao professor pelo espaço.
Quando “tocou” a sirene do intervalo, ele foi à sala do coordenador solicitar a troca de horário, informando que havia falado com os professores e que todos tinham concordado. O coordenador, com um cínico sorriso no rosto magro e pálido, disse:
— Não! Não vou fazer a troca.
— Professor! Por quê?
— Porque não quero – respondeu ainda sorrindo.
— Todos os professores concordaram e são disciplinas difíceis para a maioria dos alunos. Alguns professores acharam até bom, porque os alunos terão mais tempo para estudar.
— Mas eu não autorizo.
— Professor, eu não estou falando por mim, já estou aprovado por antecipação nas duas disciplinas, mas a turma tá mal.
— Não! – disse aumentando o tom da voz.
— Mas me diga pelo menos por que.
— Porque eu não quero, meu filho.
— Meu filho, não! Que não sou nada seu!
— Meu amigo...
— Muito menos seu “parceiro”, para o senhor me chamar de amigo. Meu nome é André Marinho e não sou seu filho nem seu amigo. Estou aqui como presidente do grêmio e representante da turma.
— Então, André, você está expulso da minha escola e...
— Com base em que o senhor pensa que vai me expulsar? Estou aqui como representante legal dos estudantes.
— E sai da minha sala!
— Venha me tirar se você for homem.
— Sai! – gritou pelo segurança (censor) – tire-o daqui!
Nesse momento, o censor – um negro alto e forte com um grosso bigode –, com um olhar triste (ele gostava de André e o respeitava muito), deu um passo à frente. O menino magro e franzino apontou o dedo em direção do censor.
— Você é meu amigo! Não se meta nisto!
— Não, Marinho, mas tenha calma.
— Eu quero que ele seja macho para me tirar daqui – olhando fixamente para o coordenador.
No momento em que o censor ergueu-se na cadeira, Antônio e Doutor, que estavam até então do lado de fora da sala com os outros alunos, entraram e se posicionaram ao lado de André. Os demais ficaram do lado de fora.
— Por esses motivos – falou André – e por essas atitudes de pessoas como você que este colégio está decaindo e ficando mal falado. Endurece com quem está certo, por arrogância, e se abaixa para os pais dos alunos ricos, que veem buscar aqui aprovação. Estes são muito bem recebidos para realizarem acordos escusos.
Nem parecia aquele menino magro e sorridente que era. Estava com os olhos esbugalhados e a testa franzida. Ali não mais um menino falava, mas um homem que estava diante de um covarde que se escondia por trás de uma pseudoautoridade. Deu um passo em direção daquele verme, que recuou em sua cadeira, afundando-se nela, no momento em que Doutor e Antônio seguraram-lhe.
— Vamos sair – falou Antônio.
— Vamos, meu amigo – disse Doutor.
Na saída da sala, os alunos estavam abismados, não acreditavam no que tinham visto, e falavam.
— Esses três são uns bestas, vão se dar mal – disse um menino a uma colega.
— Eles são é uns “cabras machos da peste!” – começando ela as palmas que vieram em seguida.
Todos queriam parabenizá-los. Sorriam, batiam em suas costas e diziam palavras de apoio. André tinha os dentes travados, a testa franzida e os olhos queriam chorar de raiva, mas ele não permitiria.
— Acho que as meninas gostaram. – disse Antônio. – Estão todas sorrindo para a gente, vamos nos dar bem. André olhou para ele e deu um pequeno sorriso.
— Nós estamos lascados. Ainda bem que aquele filho da puta esqueceu de expulsar vocês também...
— Coisa nenhuma! – disse Doutor, antes que terminasse. – Se você sair, nós também sairemos.
— Mas... – tentou André.
— Mas, porra nenhuma! – interrompeu Antônio. – Doutor está certo e fim de papo!
Os três amigos pararam no meio da multidão que os cercava e se abraçaram. Outros colegas mais conhecidos foram chegando e também os abraçando. E mais outros também, transformando-se em um grande abraço coletivo. Vendo o que estava acontecendo, o coordenador apressado correu para antecipar o fim do recreio, tocando a sirene. Todos foram se dispersando, um para cada lado, para suas salas de aulas.
Depois das aulas, os três se encontraram no pátio da bandeira e se sentaram para planejar o que fazer.
— Já sei o que vamos fazer. – falou Antônio. – Depois de amanhã quando a aula acabar já vai está escuro, vamos pegá-lo e vamos dar-lhe uma “pisa da cota!”.
— Eh, eu tô puto! – disse Doutor.
— Não! Eu agradeço, mas não podemos perder a razão; ele não tem base para me expulsar.
Conversaram muito e chegaram a uma conclusão: a melhor saída era conversar com alguns professores que eram próximos a eles, por serem bons alunos, e buscarem que intercedessem por eles junto à direção geral. Explicariam a arbitrariedade cometida pelo “verme” e informariam ainda que iam procurar a entidade estadual dos estudantes. Depois denunciariam tudo à impressa, já que André era presidente do grêmio. E mais: Antônio e Doutor também sairiam da escola caso a expulsão se concretizasse. Assim a escola perderia três dos melhores alunos, a três meses do vestibular.
André tinha chegado atrasado ao encontro no pátio, pois havia ficado ensinando como resolver um problema de química a uma colega que não entendera a explicação do professor. Perguntou a Antônio onde estavam os outros colegas mais próximos e também por Patrícia e Marta. Este falou que todos tinham ido beber no boteco da esquina. Como era véspera de feriado, todos saíram como de costume, mas naquele dia... Ficou surpreso e decepcionado, principalmente com a atitude de Patrícia. Antônio percebera o desapontamento pela falta de companheirismo dela e abraçou André pelo pescoço, dizendo:
— Vamos comprar um garrafão de vinho e chamar aquelas meninas que ficaram dando mole para gente hoje e ver se pelo menos para isto serviu esta confusão.
Na saída pôde ver que todos estavam no bar, inclusive Patrícia. Alguém tocava violão e Marta cantava; os demais faziam a segunda voz, mas não foi lá. Após comprarem o vinho, eles foram bebê-lo na praia. Antônio tinha razão, as meninas que os olhavam à tarde aceitaram o convite e se encontraram com eles na Pajuçara. André disfarçara bem as preocupações. Enquanto isso, os outros brincaram, dançaram, namoraram e beberam; as meninas riam muito com as brincadeiras de Antônio e a noite foi divertida graças às meninas e às brincadeiras de Antônio, apesar do dia que tiveram.
Quando chegou a casa, sua mãe falou que Patrícia ligara, mas ele não retornou a ligação. Tomou banho, comeu um delicioso sururu ao coco que sua mãe fizera e foi dormir, ainda sob o alegre efeito do vinho.
Após o feriado, o professor Paulo, seu antigo professor de matemática, juntamente com outros professores, foi à direção e reverteu a expulsão, porém os horários das provas não foram alterados. Os três resolveram então retaliar, decidindo que todos passariam naquelas disciplinas. Bolaram então um esquema para passar “cola” para toda a turma e não só para alguns. Mas vazou o boato e os cuidados foram redobrados: os três foram revistados no dia da prova, e pareciam suspeitos de algum crime. Suas canetas eram abertas, seus livros folheados página por página, todas as técnicas possíveis de cola foram checadas. Em momentos anteriores eles já tinham passado pesca por borracha, dentro de livros e até mesmo dentro de tubos de canetas tinteiros vazios, mas, por garantia, os três foram colocados na frente da sala, um metro a frente da turma. Resultado: todos tiraram notas entre 8,5 e 10. Durante todo o ano a média da turma tinha sido de 4,6. Como?! Era o que os professores pensavam.
Haviam combinado com a turma um sistema de “cola” infalível; 20 minutos antes do final da prova, um dos três, previamente combinado, perguntaria ao professor quanto tempo faltaria para o término da prova. Nesse momento começaria a passar a “cola”, que seria passada da seguinte forma: Doutor começaria e, como as provas tinham 50 questões de múltipla escolha (A,B,C,D e NDR), se a resposta fosse A, ele apontaria a caneta para frente; se B para o lado direito; se C para o lado esquerdo; se D para o teto e, finalmente, se nenhuma das respostas apontaria para o chão. A partir da 11.ª questão André assumiria e Antônio a partir da 21.ª e assim sucessivamente. Como os colocaram na frente da turma, facilitaram as coisas em vez de dificultarem. O resultado fez com que os professores, que não tinham nada a ver com os problemas do coordenador com os três, ficassem furiosos, pois sabiam que os amigos tinham aprontado, mas não sabiam como. Já o coordenador não queria admitir o fracasso, porém, por pressão dos professores, resolvera anular a prova.
As provas foram remarcadas. Desta vez não permitiram que os três as fizessem junto com a turma. Enquanto eles faziam as provas no pátio da bandeira, a turma as fazia em uma sala isolada no extremo da escola, com dez supervisores fiscalizando. E após terminarem, os três foram acompanhados até fora da escola. A prova foi repetida, as mesmas questões, porém, metade da turma tirou nota baixa, e eles ficaram desolados apesar de terem tirado 10.

Metade da turma estava triste com o resultado da prova de biologia e por esse motivo o professor sumira para evitar discussões. O professor cometera um erro ao transcrever as notas para a caderneta, justamente a prova de Patrícia, que estava com a nota errada. O professor havia colocado 6,5, quando na realidade ela tirara 9,5. André era amigo do professor, e foi a casa dele, mas não o encontrou; foi a casa do sobrinho do professor que também era seu amigo, mas nada. Enquanto isso perdera alguns dias de estudos para o vestibular. Finalmente encontrou o professor, com a ajuda do sobrinho, e o problema foi resolvido.


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*Daniel Barros, 45, escritor e fotógrafo alagoano residente em Brasília, é autor dos romances O sorriso da cachorra, Thesaurus, 2011, Enterro sem defunto, Editora LER, 2013, Coletânea Contos Eróticos e Contos Sobrenaturais Enquanto a Noite Durar editora APED, 2013.

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