domingo, 3 de novembro de 2013

Capítulos 24, 25 & 26 - O sorriso da cachorra
Daniel Barros*

A Primeira Participação,
Movimento por mais Ônibus 
para o Campus


Estava tranquilamente indo para a aula de Química geral, quando de repente o ônibus entrou na via do hospital universitário, um quilômetro antes da entrada da universidade. Ainda pôde ver uma movimentação atípica no portão principal. Logo começaram os protestos, mas o motorista não cedeu. André estava junto com um colega, veterano do curso de direito. Juntos, começaram ameaçar quebrar o ônibus, e o motorista parou e desceu. Os estudantes também desceram e começaram a pegar pedras. O motorista, percebendo a movimentação, entrou rapidamente na cabine e fugiu com o ônibus, deixando todos a alguns quilômetros do portão principal do campus. Entraram pelo portão dos fundos e caminharam até a entrada principal. A universidade estava deserta, parecia uma cidade fantasma: alguns ônibus abandonados, salas vazias. Em frente ao bloco de Agronomia havia um ônibus totalmente queimado, ainda com pouco fogo e fumaça.
Ao se aproximarem do portão da universidade, podiam ver uma multidão formada por mais de dois mil alunos que fechavam a BR em frente ao campus e tentavam colocar os ônibus ali parados para dentro do campus. A Polícia Rodoviária Federal já havia chegado e iniciaram-se as negociações para desobstrução da BR. Os estudantes só concordavam em liberar, caso os ônibus entrassem, e a Polícia temia que os estudantes os queimassem. O objetivo dos estudantes era negociar com a empresa, para que ela colocasse mais uma linha, específica para o campus, e mais ônibus. E a entrada dos ônibus no campus era uma garantia de que haveria negociação. A polícia e os estudantes estavam num impasse, até que André propôs que o Reitor assumisse a responsabilidade sobre a entrada dos ônibus. Após algum tempo de negociação, o Reitor subiu na porta do primeiro ônibus, acenou para os estudantes e colocou os ônibus para dentro.
Iniciaram-se as negociações com os donos da empresa, mas André não participou delas, só o pessoal do D.C.E. (Diretório Central dos Estudantes) e da universidade. O resultado foi ótimo! Foi criada a linha PRAÇA CENTENÁRIO/ UNIVERSIDADE, mais ônibus foram colocados nas outras linhas que passavam pelo campus e todos os ônibus que passavam pela porta do campus entrariam, coisa que não acontecia, os estudantes ficavam no portão principal e tinham que caminhar por todo o campus.


Inscrição para o RU 
 (Restaurante Universitário) e 
eleição do C.A.

André já havia tentado entrar no RU, mas sua inscrição fora negada, porém ele tinha que entrar, pois era no RU que todas as discussões se iniciavam. Por sugestão do “Dorme Sujo”, ele deveria levar, no dia da entrevista com a assistente social, uma sacola de feira cheia de verdura, e uma galinha viva, e informar que acabara de vir do mercado da produção, mercado municipal. Levou também uma conta de luz da casa de praia do seu padrinho, pois deveria dizer que morava no município da Barra de Santo Antônio, litoral Norte de Alagoas. Pronto, estava tudo planejado e sua inscrição foi aceita na hora, não se sabe se pelo teatro que ele armou ou se porque a assistente social queria vê-lo longe dali com aquela galinha. Chegando a casa, Tetê fez uma deleitosa galinha ao molho pardo com a galinha e ele comemorou, com cachaça, a sua entrada no RU.
A eleição do CA estava próxima e seu nome era o mais forte dentro do grupo. DS o queria encabeçando a chapa, pois tinha liderança e era novo, já que o grupo estava um pouco enfraquecido pela luta em prol da Agricultura Alternativa. O Grupo de Agricultura Alternativa não era bem visto pelos pesquisadores e, principalmente, pelos filhos de fazendeiros da U.D.R. (União Democrática Ruralista). A chapa dos fazendeiros não participara dos debates organizados e teve o apoio, velado, dos “pesquisadores”, que, em vez de debaterem, promoveram churrascos, festas e bebedeiras, além de distribuírem camisetas e brindes. Resultado: ganharam a eleição por uma diferença de nove votos, de um universo de quase 400 alunos. O resultado foi um desastre para o movimento estudantil na agronomia, que teve um ano inteiro sem participação em eventos nacionais e sem atividade na escola, e até mesmo a sede do CA foi perdida, ficando sem espaço físico para reuniões.
Sem o C.A. como base, o grupo se juntou ao Grupo de Agricultura Alternativa, mas o GAA não representava os estudantes; era só um grupo de ideias. Reativaram então um ativo jornal, o CAÇUÁ, que se tornou o porta-voz da oposição ao CA.


Congresso do D.C.E.
Era uma manhã de inverno, o dia estava frio e caía uma chuva fina, após uma noite inteira de chuva. O congresso seria realizado na sede da OAB, na Praça Monte Pio. André estava de calças jeans desbotadas e camisa de mangas compridas azul, calçando botas de couro cru. Seus cabelos longos estavam molhados da chuva. Ao chegar, cruzou nas escadas com uma menina branca de cabelos negros que o encarou e sorriu para ele. Ficou surpreso, pois não a conhecia.
Conversou com alguns colegas e logo depois começou o congresso. A manhã transcorreu normalmente. Várias discussões entre os dois grupos, que eram da situação ligada ao PT e da oposição ligada ao PC do B. Ele não participara, apenas assistira, pois não concordava com o partidarismo da entidade, achava que a participação dos partidos no movimento era boa, mas não aceitava a partidarização da entidade.
O PC do B não conseguira fazer a maioria dos delegados e, portanto, pretendia obstruir ao máximo o congresso, não desejando discutir as propostas e apenas atrapalhar os encaminhamentos. No período da tarde, a principal liderança do PC do B, Márcio, percebeu que André não era ligado a nenhum dos dois grupos e passou a tarde sentada ao seu lado tentando convencê-lo a votar com o PC do B. Era um camarada muito simpático e educado, que tinha uma excelente oratória e era muito inteligente.
André deixara para se inscrever no último minuto, sendo, portanto, o último a falar. Fez um excelente discurso, condenou a atitude antidemocrática da oposição e a forma imatura como o DCE conduziu a situação. Mesmo assim foi muito aplaudido pelo grupo do PT, pois bateu forte na oposição, que ficou enfurecida. Quando terminou, todos da oposição o olhavam com cara trancada, menos o líder, que se aproximou dele, desta vez acompanhado de sua namorada, a menina de cabelos negros. Márcio ostentava um sorriso no rosto e falou para ele:
— Você é bom, André. Parabéns!
Apertaram-se as mãos e se despediram.

APENAS R$ 2,99 EBOOK





*Daniel Barros, 45, escritor e fotógrafo alagoano residente em Brasília, é autor dos romances O sorriso da cachorra, Thesaurus, 2011, Enterro sem defunto, Editora LER, 2013, Coletânea Contos Eróticos e Contos Sobrenaturais Enquanto a Noite Durar editora APED, 2013.

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