Capítulos 24, 25 & 26 - O sorriso da cachorra
Daniel Barros*
A Primeira Participação,
Movimento por mais Ônibus
para o Campus
Estava tranquilamente indo
para a aula de Química geral, quando de repente o ônibus entrou na via do
hospital universitário, um quilômetro antes da entrada da universidade. Ainda
pôde ver uma movimentação atípica no portão principal. Logo começaram os
protestos, mas o motorista não cedeu. André estava junto com um colega,
veterano do curso de direito. Juntos, começaram ameaçar quebrar o ônibus, e o
motorista parou e desceu. Os estudantes também desceram e começaram a pegar
pedras. O motorista, percebendo a movimentação, entrou rapidamente na cabine e
fugiu com o ônibus, deixando todos a alguns quilômetros do portão principal do
campus. Entraram pelo portão dos fundos e caminharam até a entrada principal. A
universidade estava deserta, parecia uma cidade fantasma: alguns ônibus
abandonados, salas vazias. Em frente ao bloco de Agronomia havia um ônibus
totalmente queimado, ainda com pouco fogo e fumaça.
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Ao se aproximarem do portão da universidade, podiam ver
uma multidão formada por mais de dois mil alunos que fechavam a BR em frente ao
campus e tentavam colocar os ônibus ali parados para dentro do campus. A
Polícia Rodoviária Federal já havia chegado e iniciaram-se as negociações para
desobstrução da BR. Os estudantes só concordavam em liberar, caso os ônibus
entrassem, e a Polícia temia que os estudantes os queimassem. O objetivo dos
estudantes era negociar com a empresa, para que ela colocasse mais uma linha,
específica para o campus, e mais ônibus. E a entrada dos ônibus no campus era
uma garantia de que haveria negociação. A polícia e os estudantes estavam num
impasse, até que André propôs que o Reitor assumisse a responsabilidade sobre a
entrada dos ônibus. Após algum tempo de negociação, o Reitor subiu na porta do
primeiro ônibus, acenou para os estudantes e colocou os ônibus para dentro.
Iniciaram-se as negociações com os donos da empresa, mas
André não participou delas, só o pessoal do D.C.E. (Diretório Central dos
Estudantes) e da universidade. O resultado foi ótimo! Foi criada a linha PRAÇA
CENTENÁRIO/ UNIVERSIDADE, mais ônibus foram colocados nas outras linhas que
passavam pelo campus e todos os ônibus que passavam pela porta do campus
entrariam, coisa que não acontecia, os estudantes ficavam no portão principal e
tinham que caminhar por todo o campus.
Inscrição para o RU
(Restaurante Universitário) e
eleição do C.A.
André já havia tentado entrar no RU, mas sua inscrição fora
negada, porém ele tinha que entrar, pois era no RU que todas as discussões se
iniciavam. Por sugestão do “Dorme Sujo”, ele deveria levar, no dia da
entrevista com a assistente social, uma sacola de feira cheia de verdura, e uma
galinha viva, e informar que acabara de vir do mercado da produção, mercado
municipal. Levou também uma conta de luz da casa de praia do seu padrinho, pois
deveria dizer que morava no município da Barra de Santo Antônio, litoral Norte
de Alagoas. Pronto, estava tudo planejado e sua inscrição foi aceita na hora,
não se sabe se pelo teatro que ele armou ou se porque a assistente social
queria vê-lo longe dali com aquela galinha. Chegando a casa, Tetê fez uma
deleitosa galinha ao molho pardo com a galinha e ele comemorou, com
cachaça, a sua entrada no RU.
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A eleição do CA estava próxima e seu nome era o mais
forte dentro do grupo. DS o queria encabeçando a chapa, pois tinha liderança e
era novo, já que o grupo estava um pouco enfraquecido pela luta em prol da
Agricultura Alternativa. O Grupo de Agricultura Alternativa não era bem visto
pelos pesquisadores e, principalmente, pelos filhos de fazendeiros da U.D.R.
(União Democrática Ruralista). A chapa dos fazendeiros não participara dos
debates organizados e teve o apoio, velado, dos “pesquisadores”, que, em vez de
debaterem, promoveram churrascos, festas e bebedeiras, além de distribuírem
camisetas e brindes. Resultado: ganharam a eleição por uma diferença de nove
votos, de um universo de quase 400 alunos. O resultado foi um desastre para o
movimento estudantil na agronomia, que teve um ano inteiro sem participação em
eventos nacionais e sem atividade na escola, e até mesmo a sede do CA foi
perdida, ficando sem espaço físico para reuniões.
Sem o C.A. como base, o grupo se juntou ao Grupo de
Agricultura Alternativa, mas o GAA não representava os estudantes; era só um
grupo de ideias. Reativaram então um ativo jornal, o CAÇUÁ, que se
tornou o porta-voz da oposição ao CA.
Congresso do D.C.E.
Era uma manhã de inverno, o
dia estava frio e caía uma chuva fina, após uma noite inteira de chuva. O
congresso seria realizado na sede da OAB, na Praça Monte Pio. André estava de
calças jeans desbotadas e camisa de mangas compridas azul, calçando botas de
couro cru. Seus cabelos longos estavam molhados da chuva. Ao chegar, cruzou nas
escadas com uma menina branca de cabelos negros que o encarou e sorriu para
ele. Ficou surpreso, pois não a conhecia.
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Conversou com alguns
colegas e logo depois começou o congresso. A manhã transcorreu normalmente.
Várias discussões entre os dois grupos, que eram da situação ligada ao PT e da
oposição ligada ao PC do B. Ele não participara, apenas assistira, pois não
concordava com o partidarismo da entidade, achava que a participação dos
partidos no movimento era boa, mas não aceitava a partidarização da entidade.
O PC do B não conseguira fazer a maioria dos delegados e,
portanto, pretendia obstruir ao máximo o congresso, não desejando discutir as
propostas e apenas atrapalhar os encaminhamentos. No período da tarde, a
principal liderança do PC do B, Márcio, percebeu que André não era ligado a
nenhum dos dois grupos e passou a tarde sentada ao seu lado tentando
convencê-lo a votar com o PC do B. Era um camarada muito simpático e educado,
que tinha uma excelente oratória e era muito inteligente.
André deixara para se inscrever no último minuto, sendo,
portanto, o último a falar. Fez um excelente discurso, condenou a atitude
antidemocrática da oposição e a forma imatura como o DCE conduziu a situação.
Mesmo assim foi muito aplaudido pelo grupo do PT, pois bateu forte na oposição,
que ficou enfurecida. Quando terminou, todos da oposição o olhavam com cara
trancada, menos o líder, que se aproximou dele, desta vez acompanhado de sua
namorada, a menina de cabelos negros. Márcio ostentava um sorriso no rosto e
falou para ele:
— Você é bom, André. Parabéns!
Apertaram-se as mãos e se despediram.
APENAS R$ 2,99 EBOOK
*Daniel
Barros, 45, escritor e fotógrafo alagoano residente em Brasília, é autor dos
romances O sorriso da cachorra,
Thesaurus, 2011, Enterro sem defunto, Editora LER, 2013, Coletânea Contos Eróticos e Contos Sobrenaturais Enquanto a Noite Durar editora APED,
2013.
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