quinta-feira, 8 de dezembro de 2022

Porresias:

Por Fabio da Silva Barbosa

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Baba Grossa

 

É a época da proliferação das rãs

com seus barulhos engraçados

e dos insetos

com seu existir desgraçado

e do amor

e do sofrimento

e da angústia

e da melancolia

e do mal estar

e dos atropelamentos

e das metralhadoras

e das granadas

fumaça

bombas de gás

Muitos tormentos

Fermentos para sofrimentos

Feridas e dores

Amargor

Torpor

Fedor

Rancor

Bolor

Cerveja quente

sabor iogurte

de frutas saturadas

Bagaça fermentada

Como sopa enlatada

com gordura ensebada

Churrasco e rabada

enquanto a criatura esfomeada

mata a ratazana

esfaqueada

ensopada

empapada

devorada

Ossos crocantes estalando

sob a pressão da gengiva

Gengivite

Faringite

Laringite

Bronquite

 

                               Acredite


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Culpados

 

A lágrima que escorre pelo rosto marcado

banhando cada suco

Amargurado

pelas tormentas que infligem  as mais severas punições

por insistir em respirar

refletir pensar

questionar

e estar vivo em sua plenitude

Culpado por não aceitar

por não querer fazer parte

de uma tragédia

escrita com garranchos e sangue coalhado

Castigado por existir

persistir

insistir

em ser quem é

sem se submeter

ou virar apenas mais uma cópia

dessas que andam por aí

ou boneco

guiado pelas cordas

suspensas por mãos sinistras

já em estado de putrefação

ou objeto decorativo

estático e sem alma

esperando pelos insetos

para preencher um interior

recheado de inutilidades


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Docinhos de fel 

 

Quanto mais a vida passa

muito menos me agrada

Cercado por falcatruas mil

desde o dia em que nasci

aprendi a sobreviver

na selva oligofrênica

aprendi a odiar

Não gosto das pessoas em geral

Não vão me enganar

Aprendi a contestar

Aprendi a confrontar

Não vou me conformar

Não vou me encaixar

Querem me iludir

Querem me enquadrar

Mas não vou me acostumar

Não vou me acomodar

Eles mentem sem parar

Querem te adestrar

para torná-lo inofensivo

ou então acorrentar

Mas não vão me parar

nem o pensamento enjaular

Parem com esse papinho

que não vou acreditar

E você diz que me amarra

pra poder me proteger

E você diz que me castra

pra eu não enlouquecer

E me impõe suas verdades

E me empurra suas verdades

pela garganta abaixo

sem deixar minha voz

dizer o que penso

dizer o que acho

Aprendi a discordar

Aprendi a protestar

Até que me reste só a caveira

um crânio

uma ossada

irei resistir

Já não posso desistir

Impossível é continuar assim

Tudo chega ao fim

E essa estrada cheia de dor

desespero sem sabor

Já cortaram minha língua

e quebraram os meus ossos

Já furaram os meus olhos

e soldaram meus ouvidos

Mas ainda posso continuar

nem que seja a última coisa

nem que seja o último ato

Nunca me adaptarei ao sistema

prefiro ser mais um problema

que entrar no esquema

Ser uma afta incomodando

uma  tensão sempre a pairar

Não abra mão

da sua capacidade de pensar

sem abandonar a imaginação

Se não pode ser questionado

fique alerta e tome cuidado

pois é mais uma armação

para te esmagar

imobilizar

domar

incapacitar


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Transbordando/Enxofre

 

Tratados e leis arrancam seus olhos

Horários e compromissos castram sua vontade

Fuligem e fumaça sufocam seus pulmões

Modas e padrões os impedem de pensar

 

Colocam mais sabão

na máquina de lavar

para enxaguar seu cérebro

paralisando as partes

com perfume

e laços de fita

 

Não precisamos de sua mentira

ou da hipocrisia que for

 

Tentar nos esquartejar

já virou rotina

banal

neste safári grotesco

onde nossos corpos apodrecem

deixando nosso fedor pútrido

a marcar nossa posição

 

Suco de entranhas

Lábios rachados

Tripas secas

Buchos inchados

Fome e miséria

Doenças e catástrofes

 

É o ápice da humanidade

do sistema carniceiro

Canos entupidos

Tampas de bueiro

 

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 Tempos de nada absoluto

 

tenho passado pouco em casa

preferindo o frio dessa noite

com suas calçadas e poças

refletindo luzes e dores

fomes e misérias

feridas e temores

 

com suas valas e bueiros

transbordando o fedor

de tanto horror

e solidão

 

quanta podridão a nos cercar

a violência vai deixar

marcas

cicatrizes eternas

por toda parte

por todo lugar

 

mostrando as rugas

da pretensão

tanta injustiça e insatisfação

nessa farsa

nessa prisão

 

e as garras da hipocrisia

a hipnose da maioria

que vive só fingindo crer

e nada vai acontecer

mesmo que comece a chover

pro chão absorver

o que há muito tempo está no ar

nem mais sal tem o mar

então chegam armados pra evacuar

mais uma concentração

 

tenho de parar de beber

quem sabe comece a obedecer

e assim possa pertencer

ao álbum das boas recordações

e ser considerado

mais um pacato cidadão

 

mas quem disse que vou querer

fazer parte do pacote

das boas recordações

recheado de esperanças e ilusões

 

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 Sem ponteiros

 

Um céu escuro

cinza e completamente sem luz

nesse frio insuportável

que congela nosso peito

e mata nossa alma

sufoca nosso grito

e ninguém entende

algo de tudo que falamos

e ainda tentamos explicar

mas já não temos tempo a perder

com ouvidos surdos

ou mentes enlatadas

Tudo o que resta

é o nada

sem cheiro, sem gosto e sem sentido

sem perspectivas e sem futuro

Nada mais faz sentido

E quando é que fez?

Os parasitas chegam pra sugar

o que ainda resta

e os carniceiros já aguardam os meus restos

e nossa existência inexistente

não permite que esqueçamos

do vazio que nos preenche

Estamos tão áridos

que nosso solo já rachou

Nada mais nasce aqui

nessa terra devastada

E até os cegos podem ver

mas eles também duvidam

Afinal

acreditar

virou apenas mais uma forma de mentir

É apenas a lembrança

dessas plantas

que há muito

já morreram

e não adianta mais regar

e não adianta querer dançar

se as pernas já caíram

Como ovos podres

eles tentam

nos convencer

que só querem ajudar

mas a vida já passou

e a memória se esqueceu

o tempo se arrasta

e a hora nunca chega

 

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O descer

 

Estou aqui

Me derretendo em fezes

Já escorreram as entranhas

E coisas que me parecem estranhas

Se foi isso que comi

Está cheio de moscas e vermes

 

É como uma corrente elétrica

Que percorre meu corpo

Causando  convulsões e espasmos

Desligando meu cérebro

Parecendo o fim

Levando-me ao necrotério

 

Mas é apenas uma condição natural

Algo de nascença

Já me sinto fadigado

Minha cor esverdeada

Minha língua mordida

Minhas veias exaltadas

 

Os olhos ardem

E o gosto é amargo

Acho que isso é um pedaço do pâncreas

Acho que isso não é mais nada

Mas se isso não é meu fígado

Então é algum dente

 

O pulmão já é um saco preto

Murcho e sem vida

Parecendo uma uva passa mofada

Uma carcaça atropelada

Um monte de nada

Uma porra gozada

 

Sugado pelo buraco negro

Que consome a pouca energia que me resta

Jogam fora os meus restos

Dizendo que nada aqui presta

Que começará o funeral

Que comece a festa

 

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Uma sem título


Não aguento mais

sem dinheiro no bolso

amor no coração

ideias que me convençam

ou ao menos uma ilusão

 

Apenas aguardo que me perfume

a doce fragrância da putrefação

 

 


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