Enterro Sem Defunto é o segundo
romance do escritor alagoano Daniel Barros, sucessor de O Sorriso da Cachorra, e como todo segundo livro, demonstra um
maior nível de amadurecimento literário. O autor domina sua arte, em um cenário
literário onde em cada esquina do Facebook temos um novo candidato a Dan Brown
e onde abundam pseudo-escritores, é com regozijo que encontramos um trabalho de
um artista, não de um profissional do marketing literário.
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A escrita do romance policial
segue o modelo de um autor que é muitas vezes homenageado na obra, o melhor
escritor norte-americano de todos os tempos: Ernest Hemingway. Hemingway não
era religioso, mas teceu elogios à Bíblia Sagrada, e dela tirou o estilo sóbrio
que o caracteriza, com frases curtas, parágrafos iniciais breves, construções
afirmativas e parco de adjetivos. Barros aprendeu com o mestre e trabalha os
vocábulos com esmero, mas sem abusar dos adjetivos e sem frases de efeito. Na
literatura de Daniel Barros tudo está onde deve estar, como um drinque na mesa
de um bar e uma dama sobre os lençóis da cama. Como em Hemingway nós somos
levados a passear pela vida de um boêmio, descobrimos receitas de drinks e
adentrando este mundo da noite alagoana nos sentamos com os personagens à beira
mar e com eles comemos os pratos típicos da rica culinária da região, sentindo
o aroma dos temperos, a doce brisa do mar e o perfume de uma bela mulher logo
ali, do outro lado da mesa.
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O tom que caracteriza a obra é o
noir, mas
foge daquele noir estereotipado. Estamos no Brasil, nos arredores de Brasília
ou em uma praia de Maceió. O tom é colorido como nos convém, longe do preto e
branco ianque. Acompanhamos as aventuras da vida da personagem Alcides em sua
luta pela honestidade em um mundo onde a corrupção é a lei e a impunidade a
regra. O autor é profundo conhecedor do funcionamento da polícia civil do DF e
nos revela todas as injustiças à que os policiais judiciários estão submetidos.
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E quando pensamos que o romance
nos levará apenas a esse eterno oriente que é o nordeste, nas palavras de
Ariano Suassuna, estamos em um avião, ao lado de Alcides, para a ilha dos
sonhos de Cuba. Onde Hemingway, numa fazenda que adquirira em 1942, redigiu
O Velho e o Mar (1952), em que se revela
seu pleno amadurecimento artístico. Hemingway amava Cuba e Cuba ama Hemingway
até hoje, imortalizado no
Papa Hemingway,
o drink criado em sua homenagem, que Alcides desfruta no balcão da
Bodeguita del Medio, o famoso bar
cubano. Daniel Barros escreve sobre o que sabe, descreve os mojitos que tomou
na ilha da revolução, quando lá esteve. Como testemunha das maravilhosas
beldades que conheceu na terra de Fidel e dos drinks que tomou, pode nos
transportar ao paraíso tropical cheio de símbolos e significados que marcaram
gerações e irão marcar outras tantas gerações. Minhas filhas amam Cuba, para
minha surpresa pequeno-burguesa, mas depois de colocar os pés na ilha juntamente
com Alcides, não há quem não veja a ilha com outros olhos.
Vladimir Nabokov certa vez disse
que um escritor pode ser considerado sob três pontos de vista: pode ser
considerado como um contador de histórias, como um professor e como um mago. Um
escritor completo combina esses três (contador de histórias, professor e mago)
mas é o mago dentro dele que predomina e faz dele um grande escritor. E essas
três qualidades encontramos em Daniel e na sua literatura.
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Vladimir Nabokov observa, assim
como a jovem Virginia Woolf fez, que a arte simplesmente imita a Natureza:
“Literatura é invenção. Ficção é ficção. Chamar uma história de história real é
um insulto tanto à arte quanto à realidade. Todo grande escritor é um grande
enganador, mas também é a arque enganadora Natureza. A Natureza sempre engana.
Desde o simples engano da propagação da prodigiosa sofisticada ilusão das cores
protetivas das borboletas e dos pássaros, há na Natureza um maravilhoso sistema
de magias e artimanhas. O escritor na ficção só segue o exemplo da Natureza” E
assim é com
O Enterro sem defunto, onde
somos levados pelo autor com maestria até a borda dos mares do ardil e do
engano e quando terminamos o último parágrafo gostaríamos de ter lido mais
devagar, pois como Eça de Queiróz afiançou
tudo
acaba, leitor, é um velho truísmo. E como em Hemingway as personagens de
Daniel Barros se deparam com o problema básico da
evidência trágica do fim. Hemingway não foi capaz de aceitá-la, e a
vida toda andou apostando corridas com a morte, assim como nós também não
aceitamos essa evidência. Daniel Barros usa seu talento para se imortalizar e
assim enganar aquela que todos nós iremos enfrentar um dia.
Maurício R. B. Campos
Escritor e crítico literário
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