quinta-feira, 23 de abril de 2015

Aquarelas do Brasilo


 o brasil não é o meu país: é meu abismo.
o terreiro de minhas, nossas contradicções.
é meu câncer coletivo
e a força luminosa da escuridão.
é nosso discurso interrompido
sufocado e
arrebentador.
o brasil não é o meu país: é meu veneno.
é a miséria que nenhum milagre ocultou.
não é a esperança discreta
mas concreta e escandalosa
de que tudo (ainda) pode
acontecer para melhor.
é a dificuldade de conscientização
diante de tantos séculos
de escravismo colonial.
o brasil não é o meu país: é meu anti-discurso.
são idéias e traumas
dentro e fora do lugar.
são corpos em tempo de fome
mesmo assim luzindo de paixão.
é o ódio latindo
no peito dos poderosos
e seus pacotões pesadíssimos
para nós.
são, apesar de, todos os projetos
de democracia sem adjetivos
de importação ou
tapeação.
o brasil não é o meu país: é nossa esquizofrenia.
é o medo de sempre
doendo e até anestesiando.
é o gozo de sempre
roçando e até nos enganando.
é o carnaval no futebol das religiões.
é o terror de outrora
ainda agora despedaçando
infâncias e prefeitos do pt.
é a demora no jeitinho de esperar sem
desespero.
são os rasgos de genialidade
no mar de tanta imbecilidade.
é tudo que nos divide
nos sacaneia e
nos diversiona.
o brasil não é o meu país: é um video tape de
horror.
é cinco mil vezes favela.
é cincoenta mil terras em transe.
são os bóias-frias em trânsito.
são os trâmites da cultura oficiosa.
é o neocapitalismo de sampa.
é a boca do lixo luxuriosa.
é a confiança, nem tão ingênua como se propala,
das classes oprimidas
                       reprimidas
                      deprimidas
                      proletarizadas
                     encarceradas
                    ofendidas e
                     massacradas.
é a dependência correndo tudo para nada.
o brasil não é o meu país: é nosso buraco
cada vez mais
embaixo
do outro
buraco.
é a luta dos severinos da vida
contra os severianos da industria cultural.
são florestas devastadas e enchentes arrazadoras.
dores anônimas de habitantes do anonimato.
o índio sem apto.
o negro aflito.
o branco - quem sabe? -
de consciência em conflito.
as minorias ensaiando o grito.
os maiorais passando o pito.
é a rima pobre da proza nossa de todo dia
é dia d de poesia e azia e delito.
o brasil não é o meu país: é nosso câncer
circular cotidiano coisificado no circuito
do abismo para a alegoria das impunidades.
        

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